segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

UM NATAL NA CAPELA


A pracinha de Ribeira (SP), em dezembro de 2018...como ela era em dezembro de 1941, quando os escoteiros de Antonina passaram por ali?
Os escoteiros acordaram cedo naquela véspera de Natal. Era o Natal de 1941. Um natal triste para muita gente em muitos lugares do planeta. A guerra seguia feroz na Europa.
Os soviéticos lutavam desesperadamente para manter Moscou e Leningrado, ameaçadas pelas tropas Nazistas. Na África, a luta era por Bengazi, na Líbia. No entanto, era na Ásia que a guerra estava mais violenta. Os americanos estavam sendo derrotados nas Filipinas e os ingleses lutavam desesperadamente para manter Hong Kong frente ao avanço japonês.
Por outro lado, os meninos deixaram Epitácio Pessoa as 7 horas da manhã, agradecendo o pouso e a boa acolhida na vila. Agora desciam a estrada margeando o rio Grande rumo à Barra Grande, onde encontrariam o majestoso rio Ribeira de Iguape. Dali, era só seguir para Adrianópolis e cruzar a ponte que já estariam em São Paulo, etapa seguinte da marcha.
No caminho Lídio notou maravilhado os inúmeros monjolos que iam encontrando no caminho. Anotou que estes moinhos rústicos eram muito uteis naquelas paragens distantes, onde não havia energia elétrica ainda. E notava o movimento do soque com uma certa nostalgia: “um sobe e desce sem parar, um barulho gostoso de se ouvir”.
Os meninos chegaram na localidade de Descampado ao final da manhã. Lá, tiveram um contratempo, pois ninguém ali quis vender comida para eles. Nem um pãozinho. Fosse porque não tinham, fosse porque não queriam vender nada aos forasteiros, os rapazes tiveram que se contentar em comer biju com chimarrão.
Lídio anotou que, apesar de "desnutridos", os rapazes continuaram a caminhada sem queixas ou lamentações. Segundo ele, haviam perdido 6 quilos cada um nesta primeira etapa da viagem. E a tendência era perder ainda mais, anotava.
A viagem pela “estrada provisória” seguiu até Barra Grande, onde encontraram o Ribeira. Em dezembro, o rio estava barrento por causa da estação das chuvas. Somente algumas pedras eram visíveis ao longo do rio.
Cercado por morros bastante íngremes e com uma vegetação em diferentes tons de verde, os rapazes finalmente avistaram a rodovia federal, que chegava até Paranaí, a atual Adrianópolis. Antes de cruzar a ponte de concreto que ligava Adrianópolis a Capela da Ribeira – hoje o município paulista de Ribeira – os rapazes tomaram um chimarrão com os fiscais estaduais e federais no lado paranaense da ponte. E só depois cruzaram o rio.
A ponte sobre o Ribeira é uma luta eterna das duas comunidades, Ribeira e Adrianópolis. Esta que os meninos cruzaram foi a primeira ponte de concreto. O rio Ribeira, cheio de energia, não está nem aí para as pontes, e já derrubou todas elas. A atual ponte de concreto, a mais alta e reforçada de todas, foi construída em 1998-99, depois de ter sido destruída por uma forte cheia.
No lado paranaense, Lídio anotou, cheio de certa nostalgia, que havia do lado paranaense um grande outdoor onde estava escrito: “Paraná, Terra dos Pinheirais”.
Ao fim da tarde, na cidade de Capela da Ribeira, os rapazes procuraram as autoridades locais. Encontraram o Secretário da Prefeitura. Este avisou que ali não havia pensão suficiente para abriga-los todos, e o prefeito estava viajando. No entanto, o secretario lhes ofereceu sua própria casa.  
Depois de tomar banho no rio Ribeira e colocarem os uniformes “de gala”, os meninos foram para a praça principal, onde fizeram uma rápida reunião. Nesta reunião eles decidiram os próximos passos rumo a capital São Paulo, próxima etapa da viagem.  E decidiram enviar um telegrama para Antonina, para avisar que estavam todos bem.
Qual não foi o espanto dos rapazes ao descobrir que haviam dois telegramas esperando por eles, datados de dois dias antes: um da prefeitura municipal, avisando da presença dos escoteiros por ali. O outro telegrama era do chefe Picanço, pedindo para que o Chefe Beto entrasse em contato com ele, pois todos estavam ansiosos por notícias. Era o primeiro contato que tiveram desde que haviam saído de Antonina, oito dias antes.
Os escoteiros mandaram orgulhosos um telegrama: “Capella da Ribeira 24 dezembro 1941: chegamos hoje bons vencemos primeira etapa continuamos amanhã noite – Sempre Alerta! Beto Milton Lidio Manoel Antonio”.
Os rapazes ainda cheios de energia alugaram umas bicicletas e foram passear, menos o chefe beto e Canário, que ficaram no banco da praça descansando. Lídio ainda teve tempo de mandar cartas para a família e amigos. Também foi à alfaiataria do Elpidio. Lídio ainda mandou costurar suas calças descosturadas na entreperna, além de consertar um sem-número de botões da roupa dos demais.
Houve um apagão de energia elétrica, que durou até as nove da noite. A energia vinha de Apiaí, e demorou a ser reparada. Que inconveniente conveniente! Enquanto isso, os rapazes ficaram na praça escura e até arrumaram umas namoradas.
Depois, à meia noite, os rapazes assistiram a missa do Galo em Capela da Ribeira, ministrada pelo padre de Apiaí. Lídio aproveitou seu curriculum de coroinha e ajudou o padre, junto com uma menina que era Filha de Maria. Foi um comentário só na igreja: um coroinha vestido de escoteiro!
Depois, os rapazes participaram da ceia na casa do secretario municipal, onde estavam alojados. Foram servidas gasosa, soda limonada e vinho, além de um grande bolo com motivos natalinos.
Já era quase duas da manhã quando todos, exaustos, foram dormir. 
Dingobells!

2 comentários:

  1. A saga desses escoteiros antoninenses será sempre uma fonte inesgotável de perseverança. Parabéns pelo texto, caro Jeff!

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  2. Muito obrigado, Edson!! Sim, esta viagem é uma fonte inesgotável de tudo...

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