Aquilo foi pouco tempo, menos de um minuto. Gighia passou
por Bigode no meio do campo e veio vindo. Uns dizem que Bigode ficou
acovardado. Outros lembram ainda do tapa que Bigode levara há pouco de Obdulio
Varela e não reagira. Time medroso. O cúmulo da covardia diante da pátria
de chuteiras.
Gighia avança, Fontana o acompanha de longe, voltando de
costas, sem dar combate. Barbosa começa a pular nervoso, de sobreaviso - saio
ou não saio? Milhões de olhos o acompanham, os músculos se retesam, os olhos
não perdem um lance da aproximação de Gighia, que avança.
De todos os lados os olhos ansiosos estavam pregados
naquela cena que se desenrolava veloz, Gighia já está entrando na grande área
conduzindo a bola de cabeça baixa como um búfalo furioso, toda perseguição
parecia inútil. O Maracanã, com mais de sessenta milhões de pessoas, toda a
população brasileira daquela época, assistia mudo Aparício Varela entrando na
área.
Tempos modernos, agora não eram trinta e três, mas somente
onze. Capazes de anular toda a República, como um dia abalaram o Império. Os
uruguaios estão chegando. Gighia chega mais perto e desfere o chute. Barbosa
tem pouco tempo. Prepara-se nervoso, retesa os músculos e salta. A bola resvala
em seus dedos e sai pra escanteio. O Maracanã respira aliviado. O jogo
continuava empatado.
Terminado o jogo, éramos os melhores do mundo. Aquele dia
os milhões de pessoas que lotavam o Maracanã não viram Barbosa cabisbaixo
buscar a bola do desempate uruguaio no fundo das redes. Não houveram os pulos
de alegria que Gighia dava com o jogo virado. Não houve a festa celeste. Não
houve lágrimas entre a torcida brasileira, nem choros convulsivos dentro e fora
do gramado. E, principalmente, não houve Obdulio Varela levantando a taça como
o Gumercindo Saraiva que finalmente amarrava seus cavalos no centro do Rio.
Se Barbosa não tivesse espalmado aquele chute, viveria uma
vida de caras viradas, de palavras rudes, de recriminação, de silencio e
esquecimento. Teria que viver explicando que não fora frango, que não havia
caveira de burro enterrada debaixo de sua meta. Não, a bola enfiada por Gighia
não passara por entre seus dedos com o resto de sua vida. O minuto que começara
com o drible e a arrancada havia terminado.
Ghigia não marcara o gol, e agora o Maracanã agradecido
aplaudiu os artilheiros. Encerrado o jogo, cartolas invadiriam o gramado,
felizes. Afinal, agora eles seriam consagrados como responsáveis pela
conquista, desde as goleadas contra Suécia e Espanha até àquele suado empate
com o Uruguai, dentro do Maracanã lotado. Os cartolas todos foram posteriormente
eleitos deputados federais, e fizeram brilhante carreira na política.
Canções foram compostas para louvar os artilheiros, seus
salários foram melhorados. Um filme foi rodado com os gols da partida,
mostrando as cenas de júbilo e entusiasmo da torcida. Era o primeiro
campeonato do mundo de futebol conquistado pela seleção brasileira. E dentro de
nossa casa! O filme com o jogo da final de 1950 passou nos cinemas de todo o
País, e mostrou aos meninos a glória de vestir o uniforme branco da seleção brasileira.
Depois de ter com a ponta dos dedos espalmado o chute
venenoso de Ghigia, segregado àquela estranha profissão de hunos, sempre
pisando onde não nascia grama, Barbosa continuaria em silêncio sua sina de
buscar bolas no fundo do gol.
(PUBLICADO AQUI PELA PRIMEIRA VEZ)
(PUBLICADO AQUI PELA PRIMEIRA VEZ)
É uma bela crônica de futebol, ágil. Abraço!
ResponderExcluirobrigado, meu caro!!
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