Hoje de manhã, ao abrir a porta da cozinha vi uma cena
macabra: umas perninhas boiando, inanimadas, num balde de agua com Qboa. Ao chegar mais
perto vi que não se tratava de nenhum ser liliputiano, mas sim de uma prosaica
rãzinha, que acreditou estar voltando pra casa num pulo.
O corpinho da rã boiava no balde à luz da manhã de uma quarta-feira
de cinzas. De imediato, não soube muito o que fazer. Funeral de animais é uma
coisa complicada. Em geral, o funeral só é reservado para animais muito próximos,
tanto na escala evolutiva quanto na vida. O cachorrinho de estimação das
crianças. Meu coelhinho, o Bolinha, morto de causas desconhecidas no quintal de
minha infância. O pardalzinho que tentamos salvar, eu e minhas irmãs, quando
ele caiu do ninho. Mas, uma rã, e da qual nem tinha conhecimento até ver seu corpitcho
de nadadora estirado no nosso balde de limpeza?
Optei por coloca-la no lixo, junto com outros dejetos orgânicos
e não compostáveis. Ao pega-la pelas patas, vi que ela já estava enrijecida, os
olhos abertos, a barriga inchada. Tive um nojinho, confesso. Mas cumpri minha
missão.
E fiquei pensando
sobre nossa relação com os animais, principalmente aqueles animais que achamos
não ter relações. Semana passada, apareceu aqui em casa uma cobra. Já
apareceram outras duas, mas filhotes. Desta vez, segundo nossa diarista, era uma
cobra mesmo. Volta e meia também passa por aqui um gambá, que já fez estragos
com umas frutas e com o lixo que deixamos descoberto. Tem também os
passarinhos, a fazer algazarra e gritar pelas arvores ao redor.
Optamos, Maria José e eu, por não termos animais de
estimação. Dá trabalho para os dois lados. Pra criar tem que se dedicar, e,
como viajamos muito, achamos que não compensa. Eu já tive os cachorros e outros
bichos que meu pai tinha. Depois, tive os cachorros que meus filhos queriam
ter. Agora, posso escolher não ter nada.
Mas, pelo que contei até aqui, acho que eles acabam por nos
escolher. Acrescento à lista que dei anteriormente uma coruja enorme que as
vezes passa por aqui e um sagui que certa vez gritava na nossa porta. São eles,
os animais, que nos escolhem.
Vivemos num mundo ainda selvagem. Que digam os gafanhotos e
pulgões e formigas que nos infestam o jardim, que ensejaram o surgimento da indústria
de pesticidas. Sem contar, é claro, como os pernilongos e outros aedes, que
criaram a indústria dos repelentes.
E assim vamos,
convivendo com eles e os exterminando. O extermínio é feito sem dó. Mato um
mosquitinho sem ter dó na consciência. Mato um aedes com um misto de medo e fúria.
Exterminamos as baratas com venenos e chineladas com um sorriso sádico nos lábios.
E o que dizer de uma morte involuntária, de um animal “bonitinho”?
Que confundiu o balde com Qboa do outro balde ao lado, com agua limpa? Como fica
então nossa consciência? Gusano, meu caro amigo Gusano, o verme da
garrafa de mescal, me olha com um ar de cético: “vocês humanos ó se preocupam com
vocês!”. É verdade, Gusano. Só o que é humano nos interessa. Por isso os sapos e
rãs são bonitinhos e as salamandras são demoníacas.
Devemos, então, nos preocupar com os animais por estarmos preocupados
com nos mesmos? O que fazer se vivemos numa sociedade que consome mal e muito,
com uma conta que não fecha? Parece que estamos presos dentro da cabine de um
trem desgovernado cuja chave foi jogada fora. Gostando ou não gostando do que
estamos vendo, estamos todos juntos. Quem quer produzir de qualquer jeito e que
quer que haja alguma norma que respeite o meio, estamos todos na mesma
civilização. Como as duas faces de uma moeda.
Vai dar cara ou coroa? Ou a moeda da civilização vai pro
bueiro sem que se saiba o resultado?
Eu só sei que o fim de um anfíbio não deveria ser num balde de Qboa.
Jeff, écris une fable,l'homme la grenouille et le composteur
ResponderExcluircomment? Ça c´est difficile, mon cher ami!!
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