sexta-feira, 17 de maio de 2019

O DESASTRE "EMINENTE"

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Não tenho por hábito criticar os erros de português das pessoas. A professora Deise Picanço, minha irmã, sempre me preveniu: “nunca caçoe ou critique quem escreve ou fala errado”. Para ela, professora da UFPR, escrever errado ou certo é função da trajetória de vida que cada um teve. E isso ninguém escolhe. Caçoar de quem fala errado, diz Deise, é perpetuar antigas injustiças, é castigar quem já foi castigado com uma educação ruim.
Depois que aprendi isso, passei a relevar gramáticas ou ortografias. Quem fala “errado”, mas se comunica bem, na verdade está vencendo uma barreira cultural e social. Um exemplo de pessoa com pouco estudo, mas muita inteligência, é o presidente Lula. Apesar do seu português ruim, é um orador incomparável e um político como poucos. Quer seus detratores queiram, quer não.
 Como a sociedade que queremos não precisa de barreiras culturais e sociais entre pessoas mais e menos cultas, todos com algo a dizer merecem ser ouvidos. Com isso, a língua se enriquece, a comunicação se enriquece, a cultura se enriquece. O povo “enrica”. Quantas falas de hoje se originaram das falas “erradas” das massas populares? Inclusive nossa língua, o português, a tal “última flor do Lácio”, não era um latim popular, portanto “mal falado”?
Consigo, portanto, entender que uma pessoa que não teve acesso a uma cultura escolar mínima se expresse mal ou com alguma dificuldade, mas se expresse. Entendo e respeito. Eu mesmo cometo aqui e ali muitas faltas contra o léxico ou a concordância. Não estou aqui pra puxar a orelha de ninguém por isso.
No entanto, dos tuites dos primeiros-filhos às manifestações dos ocupantes dos primeiros e segundos escalões da República, as escorregadas da comunicação oficial no idioma de Camões são muitas. O governo que não nos governa há quase 5 meses nos dá repetidamente grandes quantidades de mancadas no léxico e na ortografia.
Não me preocupo com os erros de ortografia, mas com o que eles revelam. Antes de mais nada, o desleixo gramatical dos Bolsonaro (e dos bolsominions de primeiro e segundo escalões) são, antes de mais nada, reveladores de uma maneira de pensar.
Tais escorregadas refletem sobretudo a falta de uma cultura escolar suficiente destas pessoas, e dizem muito sobre a pressa ou o desleixo com a expressão escrita. Mas eu vejo mais que isso. Mais importante que erros de português, a ortografia falha dos próceres do atual governo marcam um certo desprezo e ódio à cultura e ao conhecimento. Como disse um amigo, "é o governo do não sei e não quero saber".
Este desprezo não está somente nas confusões entre palavras como “iminente” e “eminente”, entre “incitar” ou “insitar”. Este desprezo também não está na falta de coerência e de concordância de alguns tuites. Está no discurso mais profundo.
A blitzkrieg bolsonarista contra a Universidade veio também pela sua divisão Panzer, o WhatsApp. Os analistas das redes começaram a notar desde o dia 30 de abril próximo passadoum aumento no disparo de mensagens dizendo que as universidades eram centros devagabundos e maconheiros. Para provar, estes Zaps mostravam fotos de gente pelada, algumas de eventos ocorridos em universidades privadas, outros de ações descontextualizadas, como uma performance contra o Holocausto que virou uma reles orgia nas mensagens dos haters.
Como disse um colega daqui em seu twiter recentemente, eu também vi na internet alguns destas mensagens nos informando destas festas loucas com bebidas, drogas e gente pelada. Estas festas, pelo que diziam os Zaps,  ocorreriam diariamente pelo Campus. Da mesma forma que o referido colega, fiquei muito chateado com o fato de tais festas ocorrerem aqui do meu lado e eu nunca ficar sabendo.... nem um convitinho recebi!
Depois das críticas iniciais e da repercussão negativa das falas do governo, o discurso mudou. Primeiro, tentaram provar matematicamente, pois que a matemática é uma ciência nobre. Como os esquerdistas são notoriamente de humanas, foram usadas barrinhas de chocolate para ilustrar aaula de economia do Ministro. No entanto, além da explicação obscura sobre as porcentagens, o presidente guloso pecou no discurso e na encenação, tão típicos das Humanas e das Artes, ao comer disfarçadamente (?) o chocolatinho que deveria durar até setembro...
Depois das manifestações do #tsunamidaeducação, que levou centenas de milhares de estudantes brasileiros às ruas, o discurso mudou de novo. Os meninos e meninas mal saídos da adolescência que vi aqui nas ruas de Campinas e de todo o Brasil defendendo a Escola pública eram “idiotas” e “inocentes úteis”.
Será que o presidente teve a intenção de trazer um discurso da Guerra fria para o momento atual de propósito? Ou ele não sabe fazer outro discurso além dos que ele ouviu nos quarteis, nos anos 70, antes de ser defenestrado por indisciplina?
Os liberais, que votaram no Amoedo e não tem nada com isso, estão neste momento nas redes sociais para explicar que os meninos e meninas que querem ter a chance de ter uma universidade ou uma carreira na ciência não entenderam o Ministro mãos de tesoura. Afinal, todos os que estavam na rua eram incuráveis esquerdistas. Todos.
Estes esquerdistas, como se sabe, carecem dos recursos cognitivos mais óbvios.  Os esquerdopatas, doentes que são, não entendem que “contingenciamento não é corte”. Fiquei feliz ao ler alguns posts por aí. Ainda bem que nós esquerdopatas temos os liberais-eleitores-do-amoedo para nos curar!
Mas o discurso contra as universidades segue firme. No dia 14 foi assinado um decreto que tira dos reitores a autonomia para nomear pró-reitores, e coloca os Arapongas da ABIN para investigar todos os candidatos a altos cargos nas universidades. É claro que é uma provocação e uma ameaça, mas não vai colar. Veremos.
Não se pode, entretanto, acusar este governo de monotonia. Hoje, surgiu um texto veiculado pelo whats do presidente, em que reclama que o país é ingovernável, dirigido por corporações que não querem o bem do povo. Bolsonaro quer, mas não consegue (!) governar. Ô dó! O texto*, obra prima da teoria da conspiração, ressuscita as “Forças ocultas” que tanto assombraram Jânio Quadros em seus delírios político-etílicos.
(outra coisa interessante é que o texto é bem escrito, ao contrário das algaravias do Capitão e seus filhinhos e apaniguados do Olavo. Quem sabe o escritor, dotado de domínio da língua, não quisesse ser visto em companhia dos tatibitates do governo e preferiu se preservar, mantendo-se anônimo).
Este é um governo que sequer começou, mas já está fazendo água. A palavra impeachment voltou a correr, dita pela boca do próprio presidente. Não sei se é por aí. Não precisamos de mais impeachments. Não é, Aécio? Mas a incompetência e inapetência do governo por governar o precede.
A facada do Adélio nos fez eleger um presidente de cera, que agora se derrete ao veranico de maio. Existem, aqui e ali, quem ainda veja nele um mito. Mais e mais pessoas, finalmente, estão vendo não um mito, mas um mico.
Como diria alguma fonte oficial do governo, estamos diante de um Desastre “eminente”. 

*agora a noite acharam o autor do texto...um eleitor de João Amoedo (!?)

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