o bravo Adeodato, líder camponês do Contestado, preso em 1916 |
Em 14 de agosto de 1916 o jornal O Dia – órgão do Partido
Republicano Catarinense informou sobre a chegada de Adeodato, o último grande líder
da Revolta do Contestado, preso, à capital do estado.
Adeodato, ou Leodato, era um mulato de 29 anos. Tinha sido,
nos últimos tempos da revolta do Contestado, o chefe do reduto de Taquaruçu. Neste
reduto, onde viviam mais de 10 mil pessoas, o jovem Adeodato era o chefe incontestável.
De todas as lideranças do contestado, Adeodato era o
primeiro grande chefe que não era beato. O movimento havia sido iniciado com a
veneração a São Joao De Maria, um beato que percorrera a região no final do século
XIX, tendo desaparecido sem que se soubesse seu destino.
Foi sucedido por São José de Maria, o beato Guerreiro, que
havia pregado nos sertões de Santa Catarina. Havia separado seu povo escolhido,
os pelados, que tinham sua cabeça raspada em sinal de devoção. Os pelados se
contrapunham aos peludos, os outros, que representavam os grandes proprietários
de terras, o governo, as grandes companhias ferroviárias.
São João de Maria morreu em combate em 1912, na batalha do Irani, quando
os seu pelados derrotaram uma companhia da Policia Militar do Paraná, comandada
pelo coronel João Gualberto. Joao Gualberto, tão valente quanto inconsequente,
adentrou o acampamento matando mulheres e crianças, tendo sido detido pelos pelados,
que destroçaram sua companhia em combate singular, matando João Gualberto a
golpes de facão.
Adeodato comandou Taquaruçu, o último dos grandes redutos
dos pelados entre 1915 a 1916, quando foi preso. Chefe camponês, Adeodato
comandou o reduto com mãos de ferro, liquidando qualquer um que se opusesse a
ele. O terror de Adeodato foi decisivo na unidade dos pelados nos últimos combates
em Taquaruçu, em 1916. Por fim, o “Antônio Silvino do Contestado” foi preso e
enviado para Florianópolis.
Adeodato foi julgado e condenado a 30 anos de prisão.
No momento de sua sentença, uma testemunha ocular anotou as rimas que o réu declamou
para o tribunal reunido e o público assistente. Em seus versos, repletos de ironias, Adeodato fez seu canto e sua defesa.
Adeodato zombou dos vencedores e expôs cruamente as agruras dos camponeses do Contestado, uma guerra que o Brasil (e o sul do Brasil, hoje tão conservador e reacionário) faz questão de esquecer:
Adeodato zombou dos vencedores e expôs cruamente as agruras dos camponeses do Contestado, uma guerra que o Brasil (e o sul do Brasil, hoje tão conservador e reacionário) faz questão de esquecer:
Trinta ano vô cantá
Relatando as travessura
Que aqui neste processo
Acoumaro de diabrura
Me acusaro de mir morte
Que levei a sepultura
Mas levei aqui do mundo
Dei descanso às criatura
Nada disso acho crime
Ao contrário é bravura
Afastei aqui do mundo
Os que tinha vida dura
Bem por isso tô contente
De luta, nesta artura
Pra tira muitos cabocro
Das pobreza e das agrura
Sô iguar a picapau
Que qualquer madeira fura
Sô nas carta o Rei de Espada
Desaforo não atura
Sô quinem toro de briga
Por nadinha armo turra
Nego bão de minha raça
Não tem chão que se apura
Pra tirar os mar do mundo
Tinha feito uma jura
Ajudei nosso governo
A quem amo de ternura
Acabei com deiz mil pobre
Que livrei da escravatura
Liquidei todos faminto
E os doente sem mais
cura
Quem quisesse terra e escola
Eu lis dava uma surra
Ajudando os do governo
No recheio de suas burra
A pobreza pro inferno
Onde lá o diabo urra
Essa terra é de nos rico
Nossas veias são mais pura!
A pobreza que se enforque
E se enterre numa lura
Sendo pobre é oireiudo
Só os bobo é que zurra
Os que nasce bem esperto
Bom emprego eles percura
Quem é pobre nesse mundo
Só merece sepurtura
Bem agora me despeço
Só dos rico, com doçura
Tenho sombra e agua fresca
Na cadeia tem fartura
C´um abraço ao meu governo
Deixo a minha assinatura
Por Leodato M. Ramos
Arrespondo nessa artura
Adeodato foi um dos grandes líderes camponeses do Brasil,
cuja memoria precisa ser lembrada. Este dados foram compilados do livro “Lideranças do contestado: a formação e a
actuação das chefias caboclas, 1912-1916”, do professor Paulo Pinheiro machado da UFSC; .
A história completa pode ser
encontrada em: Machado, Paulo Pinheiro. Lideranças do contestado: a formação e a actuação das chefias caboclas,
1912-1916. Vol. 17. Editora
da UNICAMP, 2004.
Maravilhoso ler isso nesta tão triste manhã de domingo, quando nossa democracia amanhece em frangálios. Obrigada.
ResponderExcluirNossa caminhadura continua...
ExcluirSempre é bom trazer à luz a Historia que muitos querem enterrar.
ResponderExcluirBelo texto! Vou procurar esse livro. Abraço!
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