domingo, 7 de janeiro de 2018

O BAGRE E O CELACANTO


tirei daqui

Para Salvador Picanço (1934-2008)




O celacanto é uma espécie de peixe que se supunha extinta há muito tempo, desde o cretáceo, há 65 milhões de anos atrás. Até ser pescado na costa da África do Sul, em 1938, acreditava-se que era somente um fóssil, atulhando prateleiras de museus de paleontologia. Hoje, sabe-se, ainda existem celacantos nos mares. Poucos, mas existem, como que pra contrariar a evolução das espécies, pra nos contrariar.

A mesma coisa se diz dos políticos honestos. O senso comum diz que eles não existem. Pra nos contrariar, os políticos honestos, como os celacantos, fazem suas aparições aqui e ali. Por estes dias, lamentou-se a perda do senador Jefferson Peres (PDT-AM), tido como um dos celacantos do congresso nacional. Sua defesa da ética e da honestidade, num oceano de pragmatismos partidários, dossiês e caixas-dois, foi como um delicado agitar de barbatanas sacudindo o imenso oceano. Entretanto, como dizia um bem-humorado grafitti dos muros de Sampa, no final dos anos 70, celacanto provoca maremoto. Quem sabe se ainda não teremos algum tsunami de ética agitando o lodo destes nossos mares?

Entre nós, bagres, sempre houve e haverá celacantos, embora os baiacus sempre pareçam mais numerosos. Conheci um destes celacantos bem de perto: Dodô Picanço. Com sua aparição na política antoninense, no início dos anos 70, ele foi um fenômeno, como bem prova sua votação pra vereador em 1972. Entre 1970 e 1976, sua presença dotou Antonina de inúmeras conquistas, como a restaurações das igrejas históricas, inúmeras agitações, como a Expoteira, e uma marcante atuação no legislativo municipal, numa época em que não havia salário pra motivar nossos vereadores.

Eu era muito piá nesta época, mas lembro dos comentários dele sobre as dificuldades de trazer recursos para a cidade naquela época de início de vacas magras. Lembro, também, da quantidade de “aspones” de deputados que apareciam em nossa casa com propostas indecorosas, e que ele os enxotou a todos. Diziam que era mão-de-vaca. Nunca vi ninguém tão generoso. Nunca fez muita questão de dinheiro. Era um político que mais gastou que ganhou dinheiro na política. Bicho raro. Celacanto.

Em casa, vivemos sempre modestamente, com seus recursos de funcionário público. Seu tempo e suas energias, ele os gastava com sua Antonina, com os escoteiros, com os seus bichos na chácara. Tirava, do dinheiro de sua aposentadoria, os recursos pra financiar esta sua ultima e quixotesca campanha para a Prefeitura. Até o fim, ele acreditava poder ajudar, poder fazer a diferença, poder fazer a cidade que ele amava sair da lama.

As pessoas de bem tem nojo de política, ódio dos políticos, e não as culpo. A maior parte deles merece nosso desdém. Só que, em nossa sociedade, quem os coloca lá somos nós. Eles são nossa cara, portanto. A política é a arte do possível, e nenhum político, sozinho, conseguirá nos levar ao paraíso. Esse caminho é coletivo.

Não sei se estamos melhores ou piores nos tempos que correm. Sei que precisamos de celacantos. Que eles existem, existem. Precisam é sair das tocas, agitar esse lodo, mostrar pras pessoas que seriedade e ética existem.  Eu sei que eles existem, eu já vi um celacanto bem de perto. Celacanto provoca maremoto.


(Este texto de 2008 é um texto que, aos meus olhos de hoje, é bastante ingênuo. Em tempos de Lava-jato, essas noções de decência e honestidade estão bem mais complicadas. Parace uma outra época e um outro mundo. O que fica é a lembrança de meu pai, que hoje faria 84 anos. Falei sobre isso outras vezes, aqui e aqui.)

Saudades, seu Dodô!




2 comentários:

  1. Celacantos, assim como seu Dodô, são uma espécie em via de extinção, se é que ainda existem.

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    1. Eu ainda (por prudência) prefiro acreditar que eles ainda existem....

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