sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O PRETO PODE SER UM DIGNO MEMBRO DA SOCIEDADE HUMANA


Karl Von Koseritz (1830-1890)

"Meus leitores já conhecem Antonina, e assim poderia ficar a bordo, uma vez que o meu dever de repórter não me chamava. No entanto, quando se está há alguns dias a bordo sente-se especial prazer em ir a terra de novo, e, como devíamos permanecer ali longas horas, desembarquei com o sr. Hauer e logo achamos o restaurante da sra. Rosskampf onde tomamos a excelente cerveja de Morretes, esta pura e verdadeira flor das cervejas nacionais. Fui em seguida ao telegrafo, mas como o telegrafista tinha saído para passear tive de esperar meia hora até que ele voltasse. Depois voltamos à casa da sra. Roskampf, onde tomamos um almoço frugal, que nos coube muito bem, depois de dias de comida de bordo. 
Visitei todas as ruas de Antonina, mas alem das coisas notáveis já observadas antes encontrei uma outra, isto é, uma velha ruína com as portas e janelas escancaradas, tudo aberto e destruído, arrebentado por toda parte, mas que trazia uma taboleta com a inscrição “Hospital da Santa Casa”.
Extraordinária idéia. Uma ruína não pode ser hospital; pode no máximo pretender sê-lo, depois de restaurada. Possivelmente puseram a taboleta para convidar os estrangeiros a auxiliarem na reconstrução da casa, que já se acha assim há 20 anos. As ruas de Antonina estavam desertas, a pesar do domingo, somente os urubus andavam gravemente e sacudiam a cabeça para os estranhos que perturbavam o seu dia santificado. 
Somente pela tarde se animou; havia corridas nas proximidades, e os jovens cavaleiros de Antonina vieram à casa da sra. Roskampf a fim de jantar e comentar os acontecimentos das carreiras. Causou-me curiosa impressão que um negro se tenha assentado na mesa junto com os rapazes, (na sua maioria de descendência alemã), e se tenha feito servir confiadamente por brancos. Isto parece natural aos costumes locais, e afinal o cidadão preto pode ser um digno membro da sociedade humana. 
À noite voltei para bordo e esperei com paciência até que o carregamento estivesse acabado e nos puséssemos a caminho. Já disse que desde Paranaguá até Antonina as alturas que cercam a baia são cobertas por espessas florestas, nas quais não se vê uma clareira. 
O sr. José Hauer me disse que a terra é excelente e muito fértil mas falta gente, e a incoerência dos governos desacreditou de tal forma o Paraná com os seus erros que não se pode pensar no reforço da imigração nos próximos tempos. Infelizmente é sempre a insensatez dos governos que cria impedimentos aonde a natureza oferece tudo o que é necessário para um bom desenvolvimento da imigração e da colonização. 
Naturalmente quando ocorrem desonestidades como aqui, onde potentados compram terras por 15 contos para vendê-las ao governo por 90, terras aonde não há absolutamente nada, então não se deve admirar que a colonização não progrida. Tenho ainda muita esperança nesta bela e rica província, aonde a cultura alemã, (pelo menos na capital e imediações), floresce tão fortemente. Possam os patrícios do Paraná prosseguir no caminho certo; também eles têm a construir uma parte da historia cultural, e um dia, conosco e com os alemães de Santa Catarina, seremos um fator nada desprezível na historia do Brasil meridional.
Amanhã, se correr bem, estaremos ao meio dia em Desterro, e de lá ainda escreverei. Quarta feira de manhã devemos atingir a nossa barra; se tal não se der, é outra questão, que fica aberta ao destino.

Antonina, 24 de junho de 1883".

mais  um texto de Karl  von Koseritz, jornalista alemão   que  se radicou no Rio Grande do sul e foi um dos grandes propagandistas da imigração alemã para o Brasil nos tempos do Império  Esta  é  sua segunda passagem pela Deitada-a-beira-do-mar. (a primeira pode ser lida aqui). aqui ele narra o passeio pela cidade deserta, sabemos que em Morretes tinha uma cerveja boa. Koseritz narra a moda das corridas de cavalo em Antonina e se surpreende ao ver um negro sendo tratado como igual pelos outros rapazes brancos. Ao final, comenta sobre a corrupção que grassava no Paraná daquela época, onde os fazendeiros compravam terras de graça e as vendiam ao governo por fortunas. Nada que aconteça hoje, felizmente...

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