sábado, 14 de outubro de 2017

O HIPOCONDRÍACO DOS MORRETES


Antônio Vieira dos Santos  
(Antonina em 1854 - parte IX)

Não resta dúvida: Antônio Vieira dos Santos (1794-1851) era um hipocondríaco.
Todos nós temos nossos defeitos, e a hipocondria não é dos piores. Mas Vieira dos Santos -  um comerciante nascido em Portugal e que viveu a maior parte de sua vida em Paranaguá e depois Morretes – tinha também outros defeitos e virtudes. Entre as virtudes/defeitos, estava o habito de tudo anotar e escrevinhar.
Não por acaso Vieira dos Santos foi o autor das Memórias Históricas de Paranaguá e Morretes, que lhe deram fama póstuma. Mas ele fazia ainda mais. Durante toda sua vida, ele anotou obsessivamente em diversos cadernos quase tudo que achou importante em seu quotidiano. Nascimento, casamento, mortes, acontecimentos os mais diversos, tudo ele anotava. 
Os cadernos de anotações de Vieira dos Santos, recentemente publicados pela editora da UFPR, são uma boa fonte de informações sobre a vida e o quotidiano das pessoas no século XIX no litoral do que alguns anos depois seria chamado de Província do Paraná.
Assim, como escrevinhador e hipocondríaco, ele nos legou informações importantes sobre a saúde em Morretes, Paranaguá e Antonina.
Vieira dos Santos, em suas anotações, faz uma listagem dos livros que possuía. É uma coleção modesta de um modesto comerciante. No entanto, muito se pode ler nesta listagem.
Nela, como em toda boa biblioteca de hipocondríacos, constam vários livros sobre medicina e doenças. Entre eles estava o livro “Medicina Doméstica ou Tratado Completo dos Meios de Conservar a Saúde”, um livro de medicina pratica e caseira escrito pelo médico inglês William Buchan (1729-1805).
Antes do popular Chernoviz, que seria o grande tratado de Medicina popular no Brasil na segunda metade do século XIX, o livro de Buchan era o grande tratado médico popular da época. Trata-se de um grande livro de medicina popular, escrito em linguagem simples e dando práticas de cura simples e práticas. Como o Doutor Google hoje.
Publicada em inglês em 1769, a obra teve diversas traduções para o português entre 1790 e 1840. Não sabemos qual a edição do livro de Vieira dos Santos. A edição que consultamos, de 1790, era uma tradução do francês para o português, neste caso o doutor Francisco Pujoll de Padrell filho, impresso na Typografia Rollandiana de Lisboa.
Assim como o Buchan, Vieira dos Santos ainda tinha o “Aviso ao Povo acerca de sua saúde”, do médico suíço Auguste Tissot (1728-1797). Escrito em 1773, é outro manual destinado as parteiras e aos sangradores e cirurgiões. O livro trazia informações e procedimentos para estes profissionais, na ausência de médicos.
Além destes best-sellers, Vieira dos Santos ainda possuía os “Princípios de cirurgia”, de autoria de Jorge de La Forge, do qual nada encontramos. Também nada encontramos do livro “Descrição compendioza das enfermidades mais crônicas dos exércitos”, pelo Barão de Wan Witen, ou do “Ensaios sobre a arte de formular”, de A.I. Abiber, datado de 1811.
Já o “compendio de ptos (sic) e vários remédios de cirurgia”, de Gonçalo Ruiz de Cabreira é conhecido na medicina portuguesa. Este último sabe-se que foi um importante medico português do século XVII, que compilou diversos tratados antigos de medicina.
Como não poderia deixar de ser, Vieira dos Santos também seguia os preceitos da homeopatia. Em sua biblioteca constam “A pratica elementar da homoeopathia pelo Doutor Mure“, de 1847. Tendo como subtítulo “Conselhos Clinicos, para qualquer pessoa, estranha completamente à medicina, poder tratar-se, e a muitos doentes, conforme os preceitos da homoeopathia, confirmados pelas experiências dos Doutores Aegide, Alther [...]”, é também um importante manual de praticas medicas. A tradução para o português foi feita pelo medico brasileiro João Vicente Martins (1810-1854).
Também estava nas estantes de Vieira dos Santos o livro “Noticias elementares de homeopatia e manual do fazendeiro, do capitão de navio e do pai de família, contendo a acção dos 24 principais medicamentos”. Esta era uma publicação do Instituto Homeopático do Brasil. A homeopatia estava chegando, e Vieira dos Santos não poderia deixar de ter estes livros.
Era uma medicina que se popularizava, e que chegava à casa das pessoas. No Brasil, muitos livros foram escritos para que os patrões cuidassem das doenças mais comuns de seus escravos (o fazendeiro), dos viajantes (o capitão de navio) e a medicina doméstica (o pai de família). Num país onde predominavam as práticas tradicionais, a medicina científica fazia sua entrada. Como bom hipocondríaco, Vieira dos Santos estava a par de tudo isso. 
Era uma gama de livros médicos respeitável para um modesto caixeiro da Villa dos Morretes. Munido desta ampla gama de informações e conhecimentos, Vieira dos Santos estava pronto para enfrentar os males que viriam a abater a ele e sua família.
(continua)

2 comentários:

  1. Viva as personalidades do passado, que através das suas cadernetas de anotações e, melhor ainda, seus despretensiosos diários, nos fornecem subsídios para melhor conhecer e interpretar, sob uma nova ótica, a história cotidiana e comezinha de uma época.

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    1. Pois então, né, Edson, tem essa coisa de memória...escrever pra que? pra quem? Por mais louco que seja, ele escrevia para manter-se vivo...sua memória viva! Nada mais contemporâneo....Abraços!!

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