Estar no inferno é estar no inferno até o fim. Não há saída.
No nosso rubro-negro caso, essa foi uma verdade quase cristalina. Ontem, no
final da tarde, terminei o jogo de joelhos em frente ao computador (a televisão
não transmitiu o jogo pra cá), sob os olhares de pena de minha mulher e de meu amigo
Gusano. Uma grande angústia em meu peito me fazia sofrer a cada vez que ouvia
um nome de jogador que eu não conhecia, a temer pelo gol que poderia nos precipitar de novo nas profundas do Inferno da Segundona.
Quando vi que acabou o jogo no Ecoestádio, minha mulher me
abraçou e me deu parabéns, enquanto Gusano se recolhia ao fundo da garrafa. Não
sabia o que pensar, o que falar. Dante Alighieri havia ido ao banheiro pra dar
uma aliviada. O ectoplasma de Virgílio ali na sala a olhar os resultados finais
do Brasileirão do B não dava refresco na abafada tarde campineira. Corri então
até a porta da frente e gritei escancarado para a rua vazia: ”o Furacão voltou!”. As folhas das árvores começaram a balançar,
suavemente, num começo de brisa.
O jogo havia começado com pressão total do Furacão. Parecia que
ia ser fácil. Acompanhando o jogo entre São Caetano e Guarani, aqui no Brinco de
Ouro, estava tudo sob controle. Quando saiu o gol do menino Cleberson, tudo
ficou mais tranquilo. Estávamos inclusive na vice-liderança do Infernal torneio.
Dante estava impávido, e menino Arthur, o Rimbaud, saiu pra fazer um sanduíche
A estadia no Inferno estava por terminar.
Mas eis que surge um outro Arthur que começa a nos
infernizar. Gol do Paraná. Grito indignado, minha mulher vem me fazer cafuné. Apesar de colorada dos quatro
costados, estava ali amorosamente cuidando do seu bagrinho rubro-negro, que sofria
a cada investida tricolor. O carinho dela me confortou por um tempo. Aí o São Caetano
acordou e começou o inferno.
Menino Marcelo perde o pênalti. Silêncio na sala. O imortal
Paulo Baier dá novo alento ao time, e menino Manoel acerta outra na trave. Um ataque
do Paraná e menino Cleberson tira uma bola de dentro do gol. A coisa estava
feia. O Inferno dando seus gemidos e arrotos. Parecia que o próprio Coisa-Ruim,
o Cata-Piolho, o Xexelento, estava por ali pra azangar nossa saída de seus domínios.
Um ronco infernal, um bodum dos infernos, mas eis que o carinha de preto apita
o fim. Agora sim!
Dante, logo depois, pôs a mão no meu ombro e me contou que, no
passado, para sair do Inferno, ele e Virgílio tiveram que escalar as costas
peludas do capeta. Este, mastigando um pobre coitado (seria um bugrino, ou um
torcedor do Ipatinga?), não prestou atenção neles. Era um barulho e uma escuridão
literalmente infernais, mas havia um pequeno orifício perto da cabeça do Bode preto,
do Tisnado e, afinal, Dante e Virgílio “per
quel camino ascoso/intramo a retornar nel chiaro mondo” [por aquele caminho
asqueroso/voltaram de novo ao claro mundo]. Assim efetivamente foi, quando o
juiz apitou o fim daquele inferno.
E o que aconteceu depois? Perguntei eu ao sagaz Florentino. Este
me respondeu que, depois de sair daquele infernal pesadelo, “quindi uscimmo a riveder le stelle” [e
então saímos a rever estrelas]. Emocionado, pespeguei um forte abraço em meu
bravo consultor de série B.
O que vai acontecer ao Furacão, nessa nova fase? Não sei,
estou ainda embriagado com a luz daqui de cima. O caminho vai continuar difícil,
mas meu rubro-negro voltou. Quem sabe, pra ver algumas estrelas...
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