As modernas instalações do Albergue da Boa Vontade, onde os rapazes ficaram alojados logo na chegada ao Rio de Janeiro |
(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em
Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de
Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, percorreram 1250 quilômetros numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro
para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 31 de
janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) foram alojados no Albergue da Boa Vontade, Zona Portuária do Rio.)
Lydio estava furioso. Será que toda a aventura deles todos havia valido a pena?
Lydio estava furioso. Será que toda a aventura deles todos havia valido a pena?
Afinal, depois de serem recebidos pelos chefes da UEB, os
rapazes foram confinados no Albergue da Boa Vontade, situado na Praça da Harmonia,
na Gamboa, Zona Portuária do Rio. Seria uma situação provisória, enquanto não abriam
vagas para os cinco escoteiros de Antonina no Alojamento do Colégio Militar, localizado em São Cristóvão.
Entretanto, a vida no Albergue era muito dura. Mantida pela
prefeitura do Rio, o Albergue da Boa Vontade era o principal destino das
pessoas que chegavam ao Rio em busca de trabalho. A maioria, segundo Lydio
observou, era de nordestinos. Alguns ficavam ali somente alguns dias até
conseguir serviço na cidade. Outros, saiam de lá para São Paulo, também com
muitas vagas disponíveis para o trabalho braçal. Havia também os que recebiam
auxílio do governo a retornavam as suas origens. Outros ainda, segundo Lydio,
acabavam indo para as favelas e se marginalizando.
Lydio conta que protestou contra o sistema higienista e
autoritário do Albergue. Mas afinal das contas, teve que render-se. Não havia
por enquanto outro jeito de fazer, até que eles pudessem ir para o alojamento
do Colégio Militar.
Logo ao chegar, no dia anterior Milton, Manduca, Canário, Lydio e Chefe Beto guardaram as bagagens e
foram fichados. Lydio conta ter recebido o número de identificação 23.362 e
estava destinado ao leito 196. Após serem fichados, eles recebiam um saco de
lona numerado para guardar as roupas. Os objetos de valor eram entregues na
entrada, para serem guardados na tesouraria.
Foi feito um exame médico nos rapazes, que era obrigatório
para admissão. Neste exame, foi diagnosticada a ocorrência de Sarna em chefe
Beto, que ficou isolado e incomunicável com os outros rapazes por cinco dias.
Eram as novas técnicas de higiene se fazendo sentir nos moldes autoritários do
Estado Novo.
Depois, os rapazes foram instruídos a subir uma escada e
ficar completamente despido para o banho frio, num chuveiro coletivo. Depois do
banho, eles tinham que vestir um pijama branco e ir pegar algo pra comer. Em
geral era uma xícara de chá mate e um pão. Depois disso era a hora do silencio,
as 22 horas.
De manhã, um empregado de uniforme branco chegou batendo
palmas e acordando todo mundo. Todos tinham que acordar, arrumar a cama e encostá-la
na parede. Outro funcionário, que Lydio descreveu como “quatro-olhos, alto,
magro e antipático”, ia recolhendo em sacolas as roupas usadas durante a noite.
Em fila, todos foram receber uma caneca de alumínio com café
preto e uma metade de pão seco. O silencio era constrangedor, segundo o relato.
Parecia um velório.
Após o café, encarregados da limpeza deram a eles baldes e
vassouras para lavarem o refeitório. Neste momento, Lydio protestou, dizendo
que estavam ali com hóspedes e não como serventes. A sua gritaria surtiu
efeito, e nem ele nem seus colegas foram molestados pelos funcionários do Albergue.
Depois, os rapazes tentaram sair do edifício, mas um
segurança barrou. Presos ali, eles se conformaram por ora e esperaram o almoço.
Fizeram até amizade com um rapaz chamado Hamilton, que havia vindo de um
sanatório em Campos do Jordão. Ele procurou acalmar os rapazes e explicar “tintim
por tintim” o funcionamento do Albergue.
As 11 horas, foi servido o almoço. Segundo Lydio, era um
caldo ralo e gorduroso, com uns pedaços de macarrão, mais um pedaço de pão e
duas bananas caturras. Era, segundo ele, uma gororoba intragável.
No fim da tarde, no Albergue da Boa Vontade, ia começar de
novo o processo de banho frio, café e toque de recolher.
Ficava no ar a pergunta: tinha valido a pena todo o
sacrifício que eles tinham feito até ali?