sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 50: O ALBERGUE DA BOA VONTADE


As modernas instalações do Albergue da Boa Vontade, onde os rapazes ficaram alojados logo na chegada ao Rio de Janeiro
(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, percorreram 1250 quilômetros numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 31 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) foram alojados no Albergue da Boa Vontade, Zona Portuária do Rio.)

Lydio estava furioso. Será que toda a aventura deles todos havia valido a pena?
Afinal, depois de serem recebidos pelos chefes da UEB, os rapazes foram confinados no Albergue da Boa Vontade, situado na Praça da Harmonia, na Gamboa, Zona Portuária do Rio. Seria uma situação provisória, enquanto não abriam vagas para os cinco escoteiros de Antonina no Alojamento do Colégio Militar, localizado em São Cristóvão. 

Entretanto, a vida no Albergue era muito dura. Mantida pela prefeitura do Rio, o Albergue da Boa Vontade era o principal destino das pessoas que chegavam ao Rio em busca de trabalho. A maioria, segundo Lydio observou, era de nordestinos. Alguns ficavam ali somente alguns dias até conseguir serviço na cidade. Outros, saiam de lá para São Paulo, também com muitas vagas disponíveis para o trabalho braçal. Havia também os que recebiam auxílio do governo a retornavam as suas origens. Outros ainda, segundo Lydio, acabavam indo para as favelas e se marginalizando. 

Lydio conta que protestou contra o sistema higienista e autoritário do Albergue. Mas afinal das contas, teve que render-se. Não havia por enquanto outro jeito de fazer, até que eles pudessem ir para o alojamento do Colégio Militar. 

Logo ao chegar, no dia anterior Milton, Manduca, Canário, Lydio e Chefe Beto guardaram as bagagens e foram fichados. Lydio conta ter recebido o número de identificação 23.362 e estava destinado ao leito 196. Após serem fichados, eles recebiam um saco de lona numerado para guardar as roupas. Os objetos de valor eram entregues na entrada, para serem guardados na tesouraria. 

Foi feito um exame médico nos rapazes, que era obrigatório para admissão. Neste exame, foi diagnosticada a ocorrência de Sarna em chefe Beto, que ficou isolado e incomunicável com os outros rapazes por cinco dias. Eram as novas técnicas de higiene se fazendo sentir nos moldes autoritários do Estado Novo. 

Depois, os rapazes foram instruídos a subir uma escada e ficar completamente despido para o banho frio, num chuveiro coletivo. Depois do banho, eles tinham que vestir um pijama branco e ir pegar algo pra comer. Em geral era uma xícara de chá mate e um pão. Depois disso era a hora do silencio, as 22 horas. 

De manhã, um empregado de uniforme branco chegou batendo palmas e acordando todo mundo. Todos tinham que acordar, arrumar a cama e encostá-la na parede. Outro funcionário, que Lydio descreveu como “quatro-olhos, alto, magro e antipático”, ia recolhendo em sacolas as roupas usadas durante a noite.
Em fila, todos foram receber uma caneca de alumínio com café preto e uma metade de pão seco. O silencio era constrangedor, segundo o relato. Parecia um velório.
Após o café, encarregados da limpeza deram a eles baldes e vassouras para lavarem o refeitório. Neste momento, Lydio protestou, dizendo que estavam ali com hóspedes e não como serventes. A sua gritaria surtiu efeito, e nem ele nem seus colegas foram molestados pelos funcionários do Albergue. 

Depois, os rapazes tentaram sair do edifício, mas um segurança barrou. Presos ali, eles se conformaram por ora e esperaram o almoço. Fizeram até amizade com um rapaz chamado Hamilton, que havia vindo de um sanatório em Campos do Jordão. Ele procurou acalmar os rapazes e explicar “tintim por tintim” o funcionamento do Albergue. 

As 11 horas, foi servido o almoço. Segundo Lydio, era um caldo ralo e gorduroso, com uns pedaços de macarrão, mais um pedaço de pão e duas bananas caturras. Era, segundo ele, uma gororoba intragável. 

No fim da tarde, no Albergue da Boa Vontade, ia começar de novo o processo de banho frio, café e toque de recolher. 

Ficava no ar a pergunta: tinha valido a pena todo o sacrifício que eles tinham feito até ali?

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 49: "SUJOS DE POEIRA, E AINDA FEDENDO!"


A Praça da República, no centro do Rio. Aqui acabou a marcha histórica dos escoteiros antoninenses em 30 de janeiro de 1942. Ainda faltava encontrar Getúlio Vargas..
(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 30 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) finalmente chegam ao seu destino e se apresentam ao Comando dos escoteiros. Que surpresa eles vão ter!)

Os cinco escoteiros de Antonina saíram do 8º distrito Policial, em Campinho, as 6 horas da manhã. Era o último dia de viagem, e a vontade de encerrar estava maior que tudo. Lydio, Chefe Beto, Canário, Manduca e Milton juntaram todos os petrechos, se despediram do delegado adjunto e seus auxiliares e caíram na estrada. Segundo Lydio, partiam felizes. 

As 6 e meia já estavam tomando um café reforçado num bar e seguiram pela rua coronel Rangel até chegar em Cascadura. Lá, eles viram pela primeira vez os trens elétricos da Central do Brasil. Depois de passar por Piedade e Engenho de Dentro, deram uma pequena parada. As 11 da manhã chegaram ao Meyer. Gastaram seus últimos centavos num almoço por ali, num restaurante da rua Dias da Cruz. 

O sol estava de arrebentar cano d’água, segundo Lydio. Mas pelo menos agora tinha sombra na calçada. Eles pararam para um pequeno descanso na rua São Francisco Xavier. 

Ali, Lydio lembrou ao Chefe Beto que eles deveriam procurar um posto de gasolina para tomar banho. Seria bom trocar a roupa suja pela roupa limpa que eles tinham nos bornais. Afinal, como Lydio disse, não ficava bem a eles chegar ao destino todo sujo de pó e cheirando a suor. 

Chefe Beto respondeu com desdém: “lá vem você com parte de arrumação!”, disse irritado. “O que você quer é cartaz!”, e rematou “Já está vendo moças bonitas e é por isso que quer ficar bonitão!”. 

As duas da tarde, eles já estavam no famoso canal do mangue, depois de passar pela avenida Maracanã. Meia hora depois chegaram à praça Onze e, logo depois na Praça da República. Ali, protegido por uma estatua do Duque de Caxias, estava o Quartel General das Forças Armadas. 

Um sargento passava por ali. Os rapazes pediram a ele pelo General Heitor Borges, o presidente da União dos Escoteiros do Brasil. O que aconteceu deixou Lydio e os rapazes muito vexados. 

 O general estava por ali, trajando um terno branco e ao lado de um caro oficial, no pátio interno do quartel. O general chamou o Chefe Beto, mas ele não foi, e não deixou nenhum dos rapazes irem. O general, segundo conta Lydio, ficou muito irritado. 

O sargento interveio: “meu general, estes rapazes são escoteiros de Antonina, e estão fazendo um raid a pé para entregar uma mensagem uma mensagem ao presidente”. Tendo a atenção do general, o sargento continuou: “o motivo de trazê-los aqui foi porque eles me procuraram pedindo que eu informasse quem era o presidente da UEB. Como eu conheço o general eu atendi os rapazes, encaminhando eles até aqui”. 

O general olhou firme para os rapazes e disparou: “Como é que vou apresentar vocês assim deste jeito?”, perguntou, zangado. “Garotos sujos de poeira, e ainda fedendo!”. E concluiu: “já imaginaram os colegas me dizendo que sou o chefe de escoteiros maltrapilhos? Eu me orgulho de vocês terem feito este raid, mas tenho raiva do modo como vocês estão apresentados!”. 

O general dispensou o sargento e mandou os rapazes para uma salinha no primeiro andar, onde fizeram uma rápida higiene pessoal. Trocaram de roupa, colocando os uniformes limpos, e as três da tarde um automóvel chegou para levá-los à sede da Federação dos Escoteiros Cariocas. 

No carro que os conduzia, os rapazes estavam meio preocupados, meio vexados com a situação. Não era a chegada que eles esperavam, e não era a recepção que eles imaginavam, por certo. Porem, na Federação dos Escoteiros, eles foram recebidos pelo major Inácio de Freitas Rolim, que fora ex-chefe de Lydio no grupo escoteiro do Círculo Militar de Curitiba e ex-presidente da federação dos escoteiros de Paraná e Santa Catarina. 

Além de bem recebidos pelo Major Rolim, eles ouviram uma fala do Dr João Ribeiro dos Santos, comissário de propaganda da UEB. O Dr João a partir deste momento se tornou o protetor dos rapazes enquanto estes ficaram no Rio de Janeiro. 

Da Federação, os rapazes foram hospedados no Albergue da Boa Vontade, onde ficaram nos primeiros dias na Capital Federal. Ali, eles ficariam enquanto não abriam vagas para eles no Colégio Militar de São Cristóvão. 

A caminhada estava encerrada. A entrega da carta, que era o final da aventura, ainda não. Como os escoteiros iriam encontrar com Getúlio?

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 48: BANGU É PARA OS FORTES


Uma das tecelagens do bairro de Bangu em 1940. Bangu era um dos mais importantes distritos industrias do páis. 
(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 29 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) chegaram ao Distrito Federal, cruzando os subúrbios e o grande bairro operário de Bangu.)

Foi o próprio soldado de plantão do Posto Fiscal de Campo Grande quem se encarregou de acordar os cinco rapazes. O café já estava preparado. 

Foi com muito ânimo que Milton, Canário, Lydio Manduca e Chefe Beto partiram para o final da viagem. As oito da manhã eles passaram por Senador Vasconcelos e às 9 horas por Santíssimo. As 10 da manhã, os rapazes estavam chegando no grande bairro operário de Bangu. 

Bangu não é para os fracos. O sol estava muito forte, o asfalto literalmente derretendo e eles estavam caminhando praticamente descalços. O ar úmido tornava o calor ainda mais intenso. Infernal. Então, eles decidiram dar uma parada. 

Bangu era conhecido por suas inúmeras tecelagens, sendo um imenso bairro operário, um dos maiores da américa do sul, segundo anotaram os rapazes. Além do mais, ali estava o estádio do Bangu Futebol Clube, o legendário. Em Bangu haviam sido revelados os dois maiores astros do momento do futebol brasileiro: Domingos da Guia e Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”. Lendas do futebol, naquele ano os dois não estavam mais na zona norte. Estavam jogando na zona sul, no time do Flamengo. 

Os rapazes almoçaram num bar restaurante, e ali ficaram descansando até as quatro da tarde. Ali, fizeram um balanço das finanças do grupo. Ainda bem que estavam chegando, pois a coisa estava indo de mal a pior. Quando fizeram as contas eles viram que cada um tinha em média 10 mil réis, o que mal daria pra o dia seguinte. 

O que eles não imaginavam é que já estavam famosos. O soldado Affonso, que os recebera na noite passada no Posto Fiscal de Campo Grande, havia contado ao Jornal “A Noite” sobre a façanha dos escoteiros. “A pé do Paraná ao Rio”, era o título da matéria. A matéria cita Chefe Beto como “Alberto Istorichi” no início da nota e “Alberto Istriki” ao final. Em meio as notícias sobre a guerra, as notícias policiais e anúncios sobre o carnaval próximo, a aventura dos meninos já era notícia no Rio de Janeiro, a um dia do seu fim. 

Sem saber disso, os rapazes voltaram a caminhar e as cinco da tarde passaram por Realengo, onde estavam situados vários quartéis. As seis da tarde chegaram no largo do Campinho e resolveram pernoitar aqui. Chefe Beto havia perdido o Livro Diário oficial seis quilômetros atrás e teve que ir buscá-lo. 

Além do mais, eles estavam baqueados com a viagem. Literalmente no limite das forças, os rapazes ainda continuavam no trecho amparados pela vontade de chegar. O corpo nem obedecia mais. Com o calor que fazia, complicava tudo. Segundo Lydio, se restassem mais três dias, eles teriam que baixar ao hospital. 

Extremamente cansados, os rapazes pararam para pernoitar no 8º Distrito Policial em Campinho.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 47: OS BORRACHUDOS DE SEROPÉDICA


Faculdade de Zootecnia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Os escoteiros passaram por aqui em 1942 durante a construção destes prédios magníficos

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 28 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) desceram a Serra e estão em Seropédica, quase chegando no Distrito Federal.)

Ainda estava escuro quando Canário, Milton, Manduca, Lydio e Chefe Beto voltaram a caminhar. Os rapazes de Antonina caminharam até as dez da manhã. Nesta hora, o sol começara a esquentar demais o asfalto, e estragava as botinas com que eles caminhavam. 

O asfalto derretia a ponto de afundar com a simples passagem dos carros. Podia-se facilmente ver as marcas dos pneus no piche quente. Os próprios motoristas já sabiam disso. Neste horário, são raros os veículos que transitam por ali. Com todo aquele calor, o rendimento dos motores diminuía. O desgaste poderia mesmo fundir algum motor e, desta forma, acabar com uma viagem. 

Logo mais, eles avistaram vários edifícios em construção à beira da estrada. Quando chegaram mais perto, perguntaram a um trabalhador da conserva da estrada o que vinha a ser aquilo, e ele respondeu somente: “É uma construção do governo”. 

Não contentes com o laconismo do homem, eles resolveram perguntar mais. Logo souberam que ali estava sendo construída uma faculdade de Agronomia e Veterinária e também um curso de Meteorologia. 

Outros edifícios menores estavam sendo construídos também, como o prédio do serviço Nacional de malária e outro menores. Também havia um posto fiscal de saúde e um alojamento para os Mata-mosquitos da Guarda Sanitária. 

Este é o local onde se situa hoje a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Fica no distrito de Seropédica. É uma das maiores e melhores universidades públicas do Brasil. Apesar de ser uma ditadura e das mais ferozes, o Estado Novo tinha um projeto de país e, ao invés de destruir, construía universidades. Outros tempos... 

Os rapazes fizeram amizade com os guardas sanitários que estavam por ali. Eles advertiram para que não caminhassem no período de sol mais forte, por causa do perigo de insolações. Obedientes, os rapazes almoçaram ao meio dia e descansaram toda a tarde. As três tomaram uma chuveirada pra espantar o calor e as 16 tiveram um jantarzinho. 

Os guardas sanitários ainda trocaram os bornais dos rapazes, que eram de pano, por bornais de lona, mais resistentes. Os bornais velhos estavam começando a estragar. Muito agradecidos aos guardas sanitários, eles ainda ganharam sanduiches para o lanche da noite. 

Ao fim do dia, recomeçaram a marcha para alcançar alguma localidade onde pudessem pernoitar com segurança. A escuridão era muito grande, e logo nuvens de mosquitos vieram a importunar os rapazes. Tinha de tudo. Os mosquitinhos pólvora eram os mais doídos, deixando pequenas feridas vermelhinhas, ao redor das quais sempre dava muita coceira. 

Precavidos, os rapazes tinham comprimidos de Aralem, que tomavam para evitar os mosquitos transmissores da febre amarela e da malária. Era preciso cuidar. Estavam chegando e não queriam nenhuma baixa na equipe. 

Chegaram na famosa reta do Guandu, com 8 quilômetros de extensão, e só pararam na ponte do rio Guandu, ou ponte Victor Konder. Ali, tiveram que fazer uma fogueira para fazer fumaça e espantar os mosquitos infernais. Do ponto onde estavam, eles avistaram a estrada de ferro do Laguinho e viram ao longe as Luzes da cidade de Nova Iguaçu. 

A escuridão era muito grande. A cerração ia baixando e eles não conseguiam enxergar mais muito a frente. Mas eles estavam no pique, e caminhavam. Na ponte sobre o Rio Guandu mirim, ou ponte Washington Luiz, eles atravessavam a última divisa importante a do estado do Rio com o Distrito Federal. Faltava pouco, pouco mais de 50 quilômetros!

Ainda caminharam mais um pouco. Cruzaram Santa Cruz e dormiram em Campo Grande, onde pararam para pernoitar num posto policial posto a disposição deles. Pelo telefone, eles comunicaram vários veículos de imprensa de sua chegada iminente à Capital Federal.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 46: A BRIGA DE CANARIO E CHEFE BETO


O Monumento Rodoviário na Serra das Araras (RJ); os escoteiros descansaram aqui durante o sol forte em 27 de Janeiro de 1942

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 27 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão na Serra das Araras, quase chegando no Distrito Federal.)

O sol estava quase nascendo quando os cinco escoteiros de Antonina foram despertados por vozes. Eram os operários da Light, que estavam indo para trabalhar nas obras da Usina Elétrica no Ribeirão das Lages.



 Lydio sentiu muita dor nas costas neste dia, por ter dormido, junto com os colegas, numa calçada fria.  Vinha passando um carro que vendia pães. Os rapazes pararam o caminhão para se abastecerem. 



As sete da manhã, Canário, Milton Chefe Beto, Lydio e Manduca partiram da Localidade de São Joaquim, onde haviam dormido, e começaram a subir a Serra das Araras. A estrada era muito perigosa, com curvas fechadas, protegidas por muretas de metais ou de cimento, evitando que algum motorista mais desatento pudesse rolar alguma ribanceira. 



As 10 da manhã eles chegaram no monumento rodoviário, situado no ponto mais alto da Serra. Lydio o descreve como um monumento belíssimo, com características de um farol marítimo. “Impunha-se pela beleza e modernismo de suas linhas retangulares”, acrescenta, com ares de crítico de arquitetura.



Os rapazes deram um tempo da caminhada e foram explorar o Monumento. Além do estacionamento e do restaurante, havia também um pequeno alojamento para os motoristas cansados. Bastante moderno, sem dúvida.
Do alto da torre, eles podiam ver a represa e a usina da Light, que naquela época fornecia água e energia elétrica para diversos municípios da região, mais o Distrito Federal. À noite, um grande refletor iluminava a redondezas com sua luz potente. 



Estava muito quente. Quando chegara, Lydio calcula que estava uns 40 graus. Na sombra. Os rapazes descansaram sob algumas arvores, mas logo o sol deslocou as sombras. Chefe Beto providenciou um almoço para eles. Era um sortido, que eles apreciaram muito. 



As cinco da tarde, com o sol mais baixo, é que eles voltaram a caminhar. As sete horas eles pararam para um rápido café. Enganava o estomago. 



Houve uma briga muito feia entre Canário e Chefe Beto. Segundo Lydio, a coisa foi muito braba. Mas, com a intervenção dos demais, tudo ficou resolvido. E, o que é mais importante, em paz. 



Naquela tarde caminharam 23 quilômetros. Chegaram num lugarejo denominado Caxias, que não é a cidade de Duque de Caxias. Era dez para meia noite quando eles descansaram, ao ar livre, dormindo debaixo de uns pés de cedro.  

domingo, 26 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 45: "QUE SEJA, MENINO?"


A velha Maria-Fumaça na Estação Passa Tres (RJ), dez anos antes da passagem dos escoteiros por aqui
(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 26 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão passando por Getulândia em direção à Serra das Araras.)

Naquela segunda feira, 26 de janeiro, cinco escoteiros antoninenses amanheceram animados. Aquela era a última semana da marcha, se tudo desse certo. Aproveitando as primeiras horas da madrugada, onde o ar era mais fresco, eles iniciaram a jornada pelas estradas fluminenses. 

O ritmo da marcha foi lentamente aumentando, e o calor do sol que ia se erguendo não abatia o moral dos meninos. Manduca, Canário, Lydio, Milton e Chefe Beto estavam muito perto do destino. Caminhavam em silencio, para não gastar energia. 

Claro que de vez em quando, alguém reclamava por pisar num pedregulho, que tanto doía a sola dos pés já tão machucados. A areia quente fazia das suas, deixando a sola dos pés em situação lamentável. 

As 10 horas, neste passo, eles atravessaram a vila de Getulândia, e seguiram mais adiante. Cerca de uma hora depois pararam num portão de fazenda para uma refeição bem rápida. 

O portão da fazenda, segundo o relato, era “monumental”. Essa foi a palavra empregada por Lydio. Aliás, observando ao longe o Solar de uma fazenda, a cerca de 500 metros dali Lydio resolveu ir lá pedir água. 

Do portão, eles viam um empregado e um homem comprido e esquálido, esparramado numa cadeira postada embaixo de uma janela. Ao se aproximar, Lydio sentiu certo ar de desconfiança do empregado, que o fitava com uma cara feroz. O senhor comprido levantou-se da cadeira, bocejou e olhou Lydio com cara de poucos amigos. Tamanho era o ar de brutalidade e autoridade, que Lydio se referiu a ele como Coronel. 

O senhor perguntou: “Que seja, menino?”. “Preciso saber onde encontro água para fazer o nosso café”, respondeu Lydio. O homem fez um quase sorriso e apontou para um poço ali perto. E perguntou novamente: “De que lugar você procedem?”.” Antonina, Paraná”, respondeu Lydio. Devia ser a milésima vez que dava aquela resposta durante a viagem. “Somos escoteiros e estamos fazendo um raid a pé até a Capital Federal”, acrescentou. 

Lydio pegou a água e resolveu sair dali o mais rápido possível. No portal da fazenda, Milton estava com o fogo pronto, e a água não demorou ferver. Tomaram café com biscoitos de maisena. 

A seguir, reiniciaram a marcha. Atravessaram a vila de Passa Três as quatro da tarde. Aqui, pararam num bar e compraram mantimentos para a refeição da noite. As cinco, pararam na vila de Sobradinho, onde prepararam a janta. Enquanto Manduca e Canário faziam a boia, Lydio descansou deitado na grama macia do local. 

As 19 horas iniciaram mais uma caminhada noturna. Desta vez deram um bom estirão e chegaram até a serra das Araras. Estavam muito cansados ao chegarem no vilarejo de são Joaquim. Extenuados, eles se sentaram numa calçada perto de um posto de gasolina, onde estenderam a lona da barraca e cada um encostou a cabeça na própria mochila para descansar. 

Era já uma hora da madrugada. Neste dia, haviam caminhado cerca de 46 quilômetros.

sábado, 25 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 44: O HAT-TRICK DE CANARIO


Campo de futebol em Pouso Seco (RJ): foi aqui o hat trick de Canario? 


(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 25 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Bananal, em São Paulo e entrando no estado do Rio de Janeiro.)


Quando cinco escoteiros de Antonina acordaram, no Hotel Bandeirante, em Bananal, o sol havia nascido há muito tempo. Os dias de verão eram muito longos, e o sol nascia as 5 e meia da manhã e se punha a sete e meia da noite. Naquele dia 25 de janeiro, os cinco foram chamados pelo garçom do hotel para tomar café as 7 horas da manhã. 

A mesa era farta: café, leite, toddy, vitaminas, pães, queijos, presunto, bolachas e frutas da região. Os rapazes se abasteceram a farta, e levaram mais algumas coisas para fazer uma boquinha mais adiante. No entanto, educados que eram, deixaram uma cata de agradecimento ao prefeito municipal, que havia arrumado esta boquinha pra eles. 

Manduca, Canário Milton e Lydio, liderados por Chefe Beto, partiram as 8 e meia, sabendo que dali a pouco estriam cruzando a divisa do o estado de Rio de janeiro. À frente dos rapazes estava o Sertão do rio Vermelho. Era como se fosse um deserto nomeio daquelas serras, onde chovia muito pouco. Ali onde estávamos, por exemplo, se alguém ateasse fogo na mata seca, o incêndio seria inevitável. O risco para a fauna e flora do local, portanto, seria incalculável. 

Ao meio dia, os rapazes seguiram para Pouso Seco (segundo Lydio, “o nome já diz tudo”). Uma hora depois, na estrada, a fome e a sede estavam matando os rapazes. Lydio diz que o chefe Beto estava com um olhar sádico, e parecia delirar com o sofrimento da tropa. “Por que ele faz isso?”, perguntou-se Lydio. 

Foi quando eles acharam um canavial na beira es estrada. Foi a salvação. Os rapazes se atiraram nas canas, que lhes forneceu açucares tão necessários para seguir viagem, disputaram com os sanhaços diversos mamões de um mamoeiro no meio dos canaviais. Mas a maior parte dos mamões estava boa e adocicada. Nesta até chefe Beto participou!!

Por fim, chegaram a Pouso Seco. Desta vez foi Chefe Beto quem atrasou a marcha. Eles ficaram esperando por ele para entrar na vila. 

Quando chegaram, viram que o tempo estava pra chuva, e decidiram ficar por ali. Já estavam pra lá de escaldados com estas chuvas de verão no meio do campo. Um guarda fiscal, no entanto, olhou para o céu e disse que não chovia. E não é que ele acertou? Entretanto, os rapazes não iam ficar parados, descansando. 

Os rapazes da vila os desafiaram para um jogo de futebol suíço. A única exigência que fizemos foi todo mundo jogar descalço. E não deu outra: mais um show de Canário. O jogo terminou 10 a 5 para os visitantes, com cinco de Canário. 

O grupo havia se consagrado ali naquelas serras. Quando o jogo acabou a rapaziada da vila veio cumprimentar o time. “Imagine se estivessem descansados”, disseram eles. Depois de conversar com a turma, os rapazes foram tomar banho no Posto Fiscal. Ali, tomaram um banho rapidinho, pois lá a água é realmente escassa. O único poço que em por ali só produz água para limpeza caseira e banho pessoal. 

Depois de dar um banho no futebol e tomar um banho no posto, os rapazes jantaram e foram dormir. O final da viagem estava próximo.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 43: O ESTOURO DA BOIADA!


Desfile escolar em Bananal no anos 1940. Os escoteiros chegaram aqui após passarem por um susto muito grande!
(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 24 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando a Bananal, ultimo trecho paulista da viagem.)
Os perrengues dos cinco escoteiros capelistas em sua viagem ao Rio de Janeiro eram constantes. Na manhã seguinte, Lydio acordou e não conseguiu se levantar. Perguntou aos companheiros: “nada de novo?”. “Não, tudo velho”, responderam. Foi então que Lydio olhou seus pés e viu uma enorme bolha, que pegava todo o calcanhar. Doía muito. 

Canário procurou um espinho de laranjeira num pomar nas imediações. Com o espinho a bolha no pé de Lydio foi furada. Saiu muito pus dali, que Lydio descreveu como parecendo um olho d’água. Com um pequeno curativo, o problema foi provisoriamente sanado. 

O acampamento estava cheio de curiosos, como sempre. Milton, Chefe Beto, Manduca, Canário e Lydio foram levantando acampamento e saíram as sete da manhã. Antes, porém, pediram informações como alcançar Alambary. Indicaram para eles um atalho, que economizava cerca de 12 quilômetros nos 21 que teriam que percorrer. Neste caminho, mais malconservado, mas ainda com muito mato, eles poderiam se abrigar do sol. Os problemas nos pés foram aliviados. 

Sentindo=se ainda mal, enquanto os colegas tomavam café, Lydio tomou ainda uma colher de óleo de rícino. Além dos problemas no pé, ainda teve que “garrar o mato” seguidas vezes. Com isso, desgarrou-se bastante da turma. Teve que andar mais rápido para se reintegrar ao grupo. 

Os rapazes chegaram ao Alambary as 10 da manhã. De lá, seguiram adiante, rumo a bananal. Na estrada pararam na primeira venda eu encontram, par almoçar. Lydio, ainda de resguardo dos copos de purgante, teve que se contentar somente com leite. A uma da tarde, partiram novamente rumo a bananal, última cidade paulista do caminho. Neste trecho, Lydio caminhava com dificuldade, sendo geralmente quem fechava a marcha. 

Neste dia, na estrada, encontraram com outro peão, montado num cavalo baio, com uma bandeira vermelha na mão. No entanto, desta vez a boiada veio rápido, e a estrada era cercado dos dois lados por arame farpado. Era difícil escapar. 

Beto e Milton pularam a cerca e correram para um bambuzal que havia ali perto. Canário e Manduca se jogaram para baixo de um caminhão que estava passando e parou para dar passagem a boiada. Lydio, ainda com os pés doendo e com o estomago ruim, achou um pequeno pontilhão na estrada onde só cabia ele, e ficou ali com água pelos joelhos e encolhido com medo da passagem dos bois. 

Um boi pulou a cerca, e foi na direção de Beto e Milton. Estes, desesperados, tentavam subir nos bambus, sem muito sucesso. Os bambus vergavam sob o peso dos rapazes e caia. Por sorte, um dos boiadeiros viu a cena a espantou o boi para longe. 

Na estrada, o caminhão, que havia parado para a passagem dos bois começou a nadar, sem ver que canário e Manduca estavam debaixo dele. Quando ele arrancou, nada aconteceu aos dois, mas eles ficaram expostos aos bois. Novamente, um boiadeiro chegou perto deles e impediu que algum boi avançasse contra os dois. 

Quando os cinco novamente se reuniram, estavam pálidos de medo. Lydio, por outro lado, seguiu pensando que poderia piorar, pois segundo uma história que ele sabia, quem se molha depois de tomar óleo de rícino fica todo encarangado. Mas nada aconteceu, e eles chegaram finalmente em Bananal, as 18 horas. 

Chegaram lá no início de uma tarde de sábado. Rapazes e moças faziam o footing na rua principal da cidade, e os casais de namorados estavam na fila do cinema. Os bares estavam cheios de gente tomando cerveja. 

Eles procuraram o prefeito, que, depois do elogiar os rapazes e seu feito, os alojou no Hotel Bandeirante de Bananal. Mais uma vez compensado o sacrifício, eles dormiram o sono dos justos.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

AMARCHA DOS ESCOTEIROS 42: A BENFEITORA MISTERIOSA


A Serra da Bocaina, agora a de São Paulo. Os escoteiros passaram por aqui entre Areias e Bananal

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 23 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo Areias em direção a Bananal.)

Logo de manhã cedo, os cinco escoteiros antoninenses despediram-se de seu Quinzinho, o simpático prefeito Municipal de Areias, e retomaram o trajeto. As 7 e meia da manhã, completamente apetrechados, Chefe Beto, Manduca, Lydio, Canário e Milton partem sem saber as horas. O relógio de Lydio estava com os ponteiros soltos. 

Haviam percorrido até ali 287 quilômetros desde São Paulo. Em dez dias. Lydio afirma que aquele andar constante é um misto de técnica e persistência. Já tarimbado pelos raids que havia realizado em Antonina e Curitiba e mais a experencia deste, ele nos conta que nos primeiros dias o caminhante acha que vai ser tudo rápido e fácil. E não era nada fácil caminhar naquele sol escaldante de verão tropical! 

Logo vem o desânimo, produto da afoiteza dos primeiros dias. O cansaço vem a seguir, trazendo sofrimento físico, e, também, afeta a moral do caminhante. A energia cai dia a dia, e a coragem começa a fugir. Mas não basta só a coragem, diz aqui Lydio, o menino moço traquejado de caminhadas. É preciso também ter resistência, boas pernas e paciência. “Resumindo tudo: ser macho”, completa Lydio, afirmando aí o espírito de seu tempo. 

Logo depois de Areias eles se meteram num atalho malconservado, na esperança de cortar caminho. Contudo, aquele caminho malconservado era provavelmente restos da antiga estrada, abandonada com a construção da rodovia. Por ali dom Pedro deve ter passado em suas viagens rumo a São Paulo. O mato foi fechando a trilha, que foi ficando mais assustadora. 

Mais adiante, acharam umas casas de caboclos. “Na certa descendentes de índios”, observa Lydio. A estrada, contudo, é boa, embora malconservada. Eles acabaram economizando 11 dos 17 quilômetros que teriam de percorrer. 

Chegaram a um alto de Serra, com um cenário lindo. Era mais uma das maravilhas da Serra da Bocaina. Lydio se lembrou do pico Marumby e das montanhas que circundam sua Antonina natal. Decerto sentiu saudade. Ao descer a trilha ficou pensando se um dia ainda haveria de voltar ali. 

As 8 e meia da manhã alcançaram o Rio Santana. Lá, pararam numa venda de secos e molhados e aproveitaram para comprar mantimentos. Inclusive umas rapaduras bem gostosas, que eles ficaram roendo no restante do caminho. 

Chegaram em São José do Barreiro ao meio dia. Dado o sol intenso, o grupo de alojou embaixo de uma figueira bem frondosa, bem na entrada da cidade. De lá, foram procurar o prefeito municipal. O prefeito estava viajando, e quem acabou por acolhê-los foi sua esposa. Ofereceu aos rapazes uma bandeja com doces e frutas, mais um sempre bem-vindo bule de café. 

Lydio agradeceu à senhora pelo regalo, e o grupo, após ter comido bastante, foi descansar de novo embaixo da figueira. Lá dormiram um pouco até as 2 e meia, para evitar caminhar sob o sol forte. Foi quando Chefe Beto deu ordem de partida. 

As cinco da tarde, o grupo chegou ao rio Formoso, e em breve chegaram à vila de mesmo nome. Eles acamparam numa praça descampada, onde os moradores amaravam seus animais. Manduca começou a preparar o jantar. 

Entretanto, aquele foi um dia longo, onde haviam caminhado cerca de 34 quilômetros. Manduca começou a passar mal e tremia todo. Aos outros, aquilo parecia maleita. Lydio também estava com febre alta, e muita dor de cabeça. 

O que fazer, ali no meio daquele nada? Não havia por ali farmácia ou posto médico. Foi então que uma senhora, moradora da vila, apareceu para ver o que estava acontecendo ali, com aqueles rapazes vindos do nada chegando na sua comunidade. 

Espantada ao ver o quadro dos rapazes, ela logo providenciou algumas doses de homeopatia e alguns chás caseiros. Lydio anotou ter sentido gosto de laranja e quina em seu chá. De qualquer forma, eles logo melhoraram. Logo, Manduca recuperado começou a preparar o rango. Eles comeram e foram dormir, onde dormiram o sono dos justos. 

No dia seguinte, os rapazes seguiram viagem, sem conhecer o nome de sua benfeitora...

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 41: DORMINDO COM DOM PEDRO I!


A igreja Matriz de Areias. Aqui foi mais uma das "Cidades Mortas" do Vale do Paraiba atravessadas pelos escoteiros em janeiro de 1940

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 22 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Silveiras e chegando a Areias.)

A noite no Hotel Cintra, em Silveiras, havia sido tudo de bom. Revigorados, os cinco escoteiros de Antonina só queriam saber de pegar a estrada. As sete e meia, Chefe Beto, Milton, Canário, Manduca e Lydio partiram para Areias, distante 28 quilômetros dali. Entretanto, o forte sol ia diminuindo os ânimos. O calor era intenso. 

Agora os rapazes estavam deixando uma parte do Vale do Paraíba que era mais plana, com terrenos sedimentares, para Costear a Serra da Bocaina. A serra da Bocaina é um grande planalto que faz parte da Serra do Mar. Sua história geológica está ligada aos episódios finais da separação continental. Seu terreno, tectonicamente alçado por cima do planalto chega a atingir 1700 metros de altura. A caminhada agora iria ser feita em térreo de Serra praticamente até a baixada fluminense. 

Depois de caminhar toda a manhã, meio tontos, os rapazes resolveram descansar lá pelas 11 da manhã, debaixo de uma sombra da estrada. 

Ali fizeram um bom almoço Lydio conta que foi feito ovos fritos, batatinhas cozidas, arroz e carne seca no feijão preto. Um baita dum banquete. Pra completar, a sobremesa foi abacaxi em rodelas, com um cafezinho para dar a chave de ouro. 

Aproveitando a folga, os rapazes foram nadar no rio Ventura, que passava perto. Além de tomar banho, aproveitaram para lavar umas roupas. O calor era tão grande que eles resolveram dar um tempo por ali, esperando o sol baixar. 

As 14 horas, Chefe Beto deu ordem de partida. 

Nesta tarde os rapazes seguiam caminhando em grupos dispersos. Na frente iam Chefe Beto e Milton. Mais atrás seguia Manduca. Por fim, Lydio e Canário fechavam a marcha. As cinco da tarde, eles passaram pelo rio Vermelho e logo em seguida chegaram à cidade de Areias. Ao bater da Ave Maria, as seis da tarde, eles entraram na cidade. 

A cidade de Areias era uma cidade decadente do ciclo do café. Era uma das “Cidades Mortas” a que se refere Montero Lobato. Antes um mero pouso de tropeiros entre São Paulo e Rio de Janeiro, a Vila de São Miguel das Areias foi o local onde o café entrou no território paulista. Em meados do século XIX a riqueza da cidade era muito grande. Boa parte das construções da cidade data deste período. Com a retirada do café, a cidade diminuiu, até quase desaparecer. 

Os rapazes foram procurar o senhor prefeito municipal, para assinar o livro oficial. Desta vez, Lydio ficou encarregado de fazer o contato com o prefeito. Assim que o encontraram, seu Quinzinho, o prefeito, assinou o livro e os colocou no Hotel Santana, por conta da Prefeitura Municipal. 

Constam as lendas que foi no hotel Santana onde Dom Pedro, ainda príncipe regente, pernoitou na viagem que fez a São Paulo em setembro de 1822. Como se sabe, nesta viagem de Dom Pedro o Brasil voltou independente. Dormindo no Hotel Santana, o mais chique e famoso de Areias, os rapazes sabiam disso?

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 40: CHEGADA TRIUNFAL EM SILVEIRAS!


Vista aérea da cidade de Silveiras, que recebeu os escoteiros com festa em Janeiro de 1940

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 21 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Cachoeira e chegando a Silveiras.)

As seis da manhã, os cinco rapazes foram despertando um a um. O último, claro era Lydio, o dorminhoco do grupo. Aquele dia ele teve mais preguiça que o normal de levantar-se. Havia tido um sonho bom. Sonhou com os seus. Sonhou com sua namorada Tivica, com sua mãe Nathalia, mais seu padrasto e sua irmã Lenir, que era bebezinha. Acordou apaziguado, pronto para seguir viagem. 

O delegado de Cachoeira pagou para os rapazes o café da manhã, num bar de esquina perto da delegacia. O delegado contou para Chefe Beto, Milton, Manduca, Canário e Lydio, que a delegacia estava havia mais de 6 meses desocupada, pois não haviam presos ou ocorrências na comarca. Ali, fazia mais de cinco anos que não havia mais crimes, roubos e outras infrações. 

As sete da manhã, os rapazes partiram de Cachoeira com destino a Silveiras, distante 21 quilômetros. O cenário era mais ou menos o mesmo dos dias anteriores. Uma grande planície, com serras azuis ao fundo. Atravessavam na região grande áreas com chácaras de criação de aves e plantações de cítricos. 

As onze horas chegaram em Jataí, onde pararam para o almoço. Manduca preparou peixinhos secos refogados com farinha de milho e gordura. A sobremesa, que todos apreciaram, foi café com leite. 

Ao partir, os rapazes continuavam a caminhada ainda muito chata, com estradas retas e mais estradas retas a frente. Ônibus e caminhões passavam por eles a todo momento. Andarilhos também cruzavam frequentemente o caminho dos rapazes. 

Eles acabavam por se distrair olhando tudo ao redor. Olhavam as arvores, as pedras coloridas. Viam se a terra era marrom ou cor de prata. Às vezes, os barrancos eram arenosos, com cor branca característica. Pássaros multicoloridos sempre eram avistados, sozinhos ou em bandos. O caminho ia se fazendo com os olhos. 

Em alguns trechos os rapazes procuravam atalhos, cortando a rodovia principal. Em certos atalhos conseguiam cortar até 2 quilômetros frente a rodovia principal. 

Em Silveira, os rapazes foram recebidos com festa. Houve estouro de fogos e gente na rua para saudá-los. Na velha e centenária cidade, construída nos tempos do café, a esperança ressurgia com a construção da nova rodovia, ligando são Paulo à Capital Federal. Lydio notou as casas bem pintadas, reflexo do zelo de seus habitantes. 

O prefeito Municipal, que era também o dono da farmácia, resolveu hospedá-los no Hotel Cintra, no centro da cidade. Ali, a roupa dos rapazes foi lavada e passada a ferro, e alguns copos de vinho fizeram bem pelo restabelecimento dos escoteiros. 

O jantar foi um banquete. Lydio anotou arroz de forno, macarronada, frango assado e recheado e filé mignon. Tudo acompanhado com frutas e verduras. Tantas foi que, de noite no hotel, os rapazes só quiseram ver o sono dos justos.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 39: OS PÉS SANGRANDO NA ESTRADA REAL


Vista aérea de Cachoeira Paulista em 1940

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 20 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando em Cachoeira , atual Cachoeira Paulista.)

Acordados pelos apitos das fabricas e o barulho dos engenhos fizeram com que os Escoteiros antoninenses acordassem mais cedo. Aliás, segundo o relato deles, esse era o barulho do vale do Paraíba. Apitos, barulho, carros e caminhões indo e vindo. Chefe Beto, Milton, Manduca Lydio e Canário trataram de pôr o pé na estrada, e somente as 9 da manhã pararam para Manduca fazer o café. 

Nesta segunda parte da jornada, o caminho se tornou mais penoso para Manduca e Lydio. O pedregulho e a areia quente da estrada faziam muito estrago nos pés dos rapazes. Os dois caminhavam com a sola dos pés em carne viva, e iam mancando. Com isso, os outros três acabaram se distanciando por até dois quilômetros durante muito tempo. Só pararam para descansar em Lorena. 

Ali a estrada tinha uma bifurcação importante. Um lado ia pra Minas, era parte do caminho velho de Taubaté, seguido pelos bandeirantes que iam a Minas. Passava por um trecho em que a Mantiqueira ficava mais baixa, havia alguns passos para se cruzar a Mantiqueira, que ali pode alcançar mais de dois mil metros de altitude. Hoje, são as passagens pelas cidades de Piquete e Cruzeiro. 

Por outro lado, rumo a Bananal, onde eles iam, era o caminho velho para o Rio.
Este trecho era parte do antigo Caminho velho da estrada Real. O primeiro grande caminho do comercio e da exportação de ouro e diamantes no Brasil do século XVIII. Partindo do porto fluminense de Paraty, subia-se por Cunha e atravessava-se o passo do Passa Quatro. Logo depois, já se atingia o alto Rio Grande e as cidades de São João e São José D’El Rey. Esta última é a atual cidade de Tiradentes. 

Ali na cidade de Lorena, pararam para descansar e se cuidar. Lydio e Manduca foram socorridos com ataduras e pomadas. Manduca desta vez teve que usar alpargatas para poder andar. Ele normalmente andava descalço, sem nenhum problema. Apesar das ataduras e das pomadas, a caminhada foi muito lenta neste dia. 

Depois de deixar Lorena para trás eles passaram pela vila de “Canas”. Era um vilarejo com uma única avenida, onde se situavam diversas casas comerciais e residenciais. Na periferia, as casas eram todas cobertas por barro, parecendo alvenaria. O lugar era um importante distrito oleiro e Lydio ficou muito impactado por ela. Prognosticou um futuro de muito sucesso para a vila, a qual segundo ele podia rapidamente se expandir e chegar à cidade. 

Logo a seguir, os rapazes encontraram um cavaleiro que portava uma bandeira vermelha. Os rapazes ficaram alarmados. Não se tratava, evidentemente, de uma ameaça comunista, ou algum regimento rebelde, mas sim o anúncio de uma grande boiada que estava passando. 

Rapidamente, eles procuraram abrigo, e ficaram a margem da estrada, numa moita mais alta, quietinhos, enquanto os bois passavam. Volta e meia os cavaleiros paravam perto deles, para evitar qualquer problema. Não houve problema algum. 

Em breve a boiada passava e seguia seu caminho, em demanda de algum frigorifico paulistano. O que ficou no ar foi uma nuvem de pó, que prejudicou ainda por um tempo a caminhada. Mais uma centena de bois gordos que estavam sendo enviados a algum matadouro, ponderou Lydio. 

A cinco quilômetros dali os rapazes cruzaram uma ponte sobre o rio Paraíba, a qual teria sido construída por Euclides da Cunha. Logo a seguir, estariam chegando em Cachoeira, a atual Cachoeira Paulista. Dali também havia entroncamento para o sul de Minas, principalmente para as estancias hidrominerais de São Lourenço, Caxambu, Baependi, Cambuquira e Lambari. Também dali se partia para Embaú e Passa Quatro. 

Em Cachoeira, procuraram uma delegacia para pernoitar. Lydio estava tão cansado e tão maltratado pelos problemas nos pés que pouco anotou em seu diário, e dormiu como um bebê.