segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 39: OS PÉS SANGRANDO NA ESTRADA REAL


Vista aérea de Cachoeira Paulista em 1940

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 20 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando em Cachoeira , atual Cachoeira Paulista.)

Acordados pelos apitos das fabricas e o barulho dos engenhos fizeram com que os Escoteiros antoninenses acordassem mais cedo. Aliás, segundo o relato deles, esse era o barulho do vale do Paraíba. Apitos, barulho, carros e caminhões indo e vindo. Chefe Beto, Milton, Manduca Lydio e Canário trataram de pôr o pé na estrada, e somente as 9 da manhã pararam para Manduca fazer o café. 

Nesta segunda parte da jornada, o caminho se tornou mais penoso para Manduca e Lydio. O pedregulho e a areia quente da estrada faziam muito estrago nos pés dos rapazes. Os dois caminhavam com a sola dos pés em carne viva, e iam mancando. Com isso, os outros três acabaram se distanciando por até dois quilômetros durante muito tempo. Só pararam para descansar em Lorena. 

Ali a estrada tinha uma bifurcação importante. Um lado ia pra Minas, era parte do caminho velho de Taubaté, seguido pelos bandeirantes que iam a Minas. Passava por um trecho em que a Mantiqueira ficava mais baixa, havia alguns passos para se cruzar a Mantiqueira, que ali pode alcançar mais de dois mil metros de altitude. Hoje, são as passagens pelas cidades de Piquete e Cruzeiro. 

Por outro lado, rumo a Bananal, onde eles iam, era o caminho velho para o Rio.
Este trecho era parte do antigo Caminho velho da estrada Real. O primeiro grande caminho do comercio e da exportação de ouro e diamantes no Brasil do século XVIII. Partindo do porto fluminense de Paraty, subia-se por Cunha e atravessava-se o passo do Passa Quatro. Logo depois, já se atingia o alto Rio Grande e as cidades de São João e São José D’El Rey. Esta última é a atual cidade de Tiradentes. 

Ali na cidade de Lorena, pararam para descansar e se cuidar. Lydio e Manduca foram socorridos com ataduras e pomadas. Manduca desta vez teve que usar alpargatas para poder andar. Ele normalmente andava descalço, sem nenhum problema. Apesar das ataduras e das pomadas, a caminhada foi muito lenta neste dia. 

Depois de deixar Lorena para trás eles passaram pela vila de “Canas”. Era um vilarejo com uma única avenida, onde se situavam diversas casas comerciais e residenciais. Na periferia, as casas eram todas cobertas por barro, parecendo alvenaria. O lugar era um importante distrito oleiro e Lydio ficou muito impactado por ela. Prognosticou um futuro de muito sucesso para a vila, a qual segundo ele podia rapidamente se expandir e chegar à cidade. 

Logo a seguir, os rapazes encontraram um cavaleiro que portava uma bandeira vermelha. Os rapazes ficaram alarmados. Não se tratava, evidentemente, de uma ameaça comunista, ou algum regimento rebelde, mas sim o anúncio de uma grande boiada que estava passando. 

Rapidamente, eles procuraram abrigo, e ficaram a margem da estrada, numa moita mais alta, quietinhos, enquanto os bois passavam. Volta e meia os cavaleiros paravam perto deles, para evitar qualquer problema. Não houve problema algum. 

Em breve a boiada passava e seguia seu caminho, em demanda de algum frigorifico paulistano. O que ficou no ar foi uma nuvem de pó, que prejudicou ainda por um tempo a caminhada. Mais uma centena de bois gordos que estavam sendo enviados a algum matadouro, ponderou Lydio. 

A cinco quilômetros dali os rapazes cruzaram uma ponte sobre o rio Paraíba, a qual teria sido construída por Euclides da Cunha. Logo a seguir, estariam chegando em Cachoeira, a atual Cachoeira Paulista. Dali também havia entroncamento para o sul de Minas, principalmente para as estancias hidrominerais de São Lourenço, Caxambu, Baependi, Cambuquira e Lambari. Também dali se partia para Embaú e Passa Quatro. 

Em Cachoeira, procuraram uma delegacia para pernoitar. Lydio estava tão cansado e tão maltratado pelos problemas nos pés que pouco anotou em seu diário, e dormiu como um bebê. 

2 comentários:

  1. Essas anotações de Lydio são realmente preciosas, dá gosto ver o carinho com que você as trata.

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    1. Valeu, meu querido Edson!! As anotações são um tesouro mesmo

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