terça-feira, 30 de outubro de 2012

A CADEIA DE ANTONINA É A IMAGEM DAS AUTORIDADES DAQUELE LUGAR


(encerram-se aqui as aventuras de Ave-Lallement pela Deitada-a-beira-do-mar em setembro de 1858; ele reclama do seu "hotel" numa barbearia e narra seu encontro com um alemão preso na cadeia de Antonina. Faz comentários nada elogiosos sobre a Cadeia e sobre a Justiça e as autoridades do lugar. Finalmente, ele fica feliz pois o tempo melhora e ele pode ir embora da cidade. Ao que parece sem nenhuma saudade...)
Realmente horrível a minha estada em Antonina. Na casa do barbeiro, tudo vulgar, tudo reles e em parte alguma se podia evitar essa vulgaridade. O homem pode ter sido marinheiro num navio negreiro. Esteve evidentemente na costa da África. Na sua miserável casa ocorriam as maiores misérias: palavras injuriosas sobre os hospedes que não pagavam ou de hospedes aos quais se reclamava dinheiro excessivo. Ali entravam e dali saíam figuras esquisitas, ainda que entre elas assomassem algumas sofrivelmente decentes. Se quisesse por no papel o que lá observei, poderia sair um vivo esboço para um romance.
Cheguei como um mensageiro de um mundo melhor, embora ninguém me conhecesse em Antonina, salvo um médico que estava na cadeia.
Era o pobre diabo de um meclemburguês[1] e, a falar a verdade, não era médico, mas um tecelão, chamado Muller. Dou o nome sem hesitar, porque afinal toda a gente se chama Muller!
Negociara com a célebre droga de Leroy, prejudicando, talvez, na vila de Antonina, os interesses de alguém que fizesse o mesmo negócio. Quando o levaram perante o presidente da Câmara Municipal e não quiseram reconhecer seu documento de identidade de Meclemburgo, o tecelão, que com ninguém podia entender-se, rasgou o documento na presença dos “Senhores” reunidos. Isso lhe foi levado muito a mal.  Foi denunciado criminalmente e devia ir a Júri, a reunir-se seis meses depois. Não há no lugar uma só pessoa que conheça ao mesmo tempo o alemão e o português. Considerei então meu dever comunicar o caso ao cônsul geral do Meclemburgo no Rio de Janeiro e ver se era possível ajudar o homem metido no horrendo calabouço.
A masmorra onde está o homem é realmente uma coisa atroz. Como se pode suportar tal coisa? A cadeia, a penitenciaria de Antonina, é um monumento tão vil que não há expressão para denomina-lo. Tenho bastante paciência com as fraquezas, deficiências e injustiças que encontrei durante minha viagem. Mas há condições que é preciso levar ao pelourinho da opinião publica. A cadeia de Antonina é uma dessas condições, uma imagem da humanidade e justiça das autoridades daquela cidade.
Enfim, a 14 de setembro, cerca de meio dia, apareceu ao longe, ao leste da baia, o vapor “Paraense”. Nunca sai de um lugar de tão bom grado, tão alegremente quanto de Antonina. Como despedida, fui ainda muito explorado pelo barbeiro, mas de boa vontade paguei ao sujeito, pelos três dias em sua ordinária tasca, os 18 mil réis reclamados (14 táleres prussianos) e fui para bordo do vapor.




[1] Segundo a sempre confiável Wikipedia (em inglês) Mecklenburg (baixo alemão: Mękelnborg) é uma região histórica no norte da Alemanha  compreendendo a parte ocidental do estado (província) de  Mecklenburg-Vorpommern. As maiores cidades da região são Rostock, Schwerin, e Neubrandenburg. Naquela época, era uma das mais pobres e atrasadas regiões da Alemanha. 

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