segunda-feira, 28 de novembro de 2011

MUDANÇAS DE ESTAÇÃO


Avenida Nenê Chaminé, sem número

No começo do mês, estava em Nova Friburgo voltando de uma vistoria a locais onde haviam ocorrido escorregamento de terra em janeiro ultimo, em companhia de, entre outros, Claudio Amaral, diretor do DRM – o Serviço Geológico do Rio de Janeiro. Em toda o megadesastre, ele era quem falava pelo corpo técnico que estava cuidando dos risco geológicos na região, e, por força disso, era muito conhecido e requisitado pela população. Numa caminhada de cerca de trezentos metros ele foi parado pelo menos por duas vezes, por pessoas que vinham perguntar sobre a situação de risco de sua casa, de sua rua especifica. Educadamente, Claudio respondia a cada um, evitava polêmicas e fazia o possível para dar a melhor informação possível num universo intrincado onde ele, na verdade, mandava pouco. Pelo lado das pessoas, via-se claramente o desespero de quem já tinha passado por poucas e boas no passado recente. Muitos tinham sobrevivido por sorte. E não sabia direito a quem recorrer, a quem indagar sobre os riscos que estão por vir com o começo da próxima estação das chuvas.
Cerca de dez dias depois, estava na Deitada-a-beira-do-mar com meus alunos, subindo os morros e fazendo observações. Conversei com diversas pessoas, em praticamente todos os bairros ao redor do morro. Da mesma forma que as pessoas em Nova Friburgo, o que eu vi foi muita desesperança. Pessoas que perderam tudo e que se encontram desesperadas e perdidas, como o Edson, que interrompeu nosso trabalho achando que estávamos desrespeitando ou, pior, roubando a casa de sua mãe na laranjeira. Aos gritos, e completamente torrado, como se diz em antoninês, ele nos ameaçou, pedindo aos berros para que fossemos embora dali. Ao conversar com ele procurei entender sua reclamação e acalmá-lo. Era uma criança grande, literalmente sem chão, com a casa da mãe destroçada e cheia de lama, num cenário realmente aterrador. Chorou muito, pediu desculpas, se disse atordoado pelo sofrimento. Quando se acalmou, pediu dois reais. Não sei em que foram investidos os dois reais que dei a ele, mas pra coisa boa não foi.
Conversei com outras pessoas, melhor situadas que o pobre Edson. Tinham aonde ir, casa de parentes onde ficar, e não se sujeitavam a morar nos abrigos. “é muito humilhante”, me disse uma senhora que encontrei no Tucunduva. Na Laranjeira, uma mulher nos contou que as casas por ali estavam sendo paulatinamente depredada por bandos de rapazes desocupados, que buscavam as casas abandonadas pra fumar crak. Aqui e ali, via-se que algumas casas estavam sendo reocupadas, outras se viam guris entrando e saindo, num cenário que poderia ser de guerra. Mas é Antonina.
No bairro Floresta, em Morretes, conversei com seu Arlindo, um próspero agricultor que perdeu praticamente tudo na catástrofe, inclusive uma irmã. Não queria nada, nem cesta básica: “aqui não tem vagabundo”, disse, com orgulho de quem tira seu sustento da terra, e com suas próprias mãos. Uma terra, aliás, toda virada do avesso, cheia ainda de lama, pedras, troncos e restos de casas e carros. Mais pra frente, já havia terra livre de tocos e arada, esperando pra plantar. A indefinição do governo sobre o que fazer com a área não pode durar pra sempre, diz ele. Não há tempo a perder, a safra tem que ser plantada a tempo. A maior reclamação de seu Arlindo é não deixarem mais plantar na sua propriedade, agora declarada área de risco.
Em Nova Friburgo como em Antonina, as pessoas ainda estão perplexas, esperando respostas do poder público. Este, por mais bem intencionado que esteja, está as voltas com burocracia, lentidão, jogos de interesses. O planeta, que continua girando em torno de seu eixo, indiferente a nós como era indiferente aos dinossauros e outros quetais, se prepara para o verão do hemisfério meridional e suas chuvas intensas. 

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