A atual cidade de Tunas do Paraná em 1955, quatorze anos depois dos escoteiros atravessarem a região |
Apesar de dormirem num paiol de milho cheio de ratazanas no lugarejo chamado Tuneiras, os rapazes acordaram animados naquela terça feira, 23 de dezembro de 1941. O final
da primeira etapa da viagem, a cidade de Capela da Ribeira, já no estado de São Paulo, poderia ser
finalmente alcançada.
Eles seguiram então no rumo norte, pela “estrada provisória",
que ligava parcialmente Curitiba à Capela da Ribeira. Segundo o diário de Lídio,
a estrada era muito malconservada, cheia de buracos, com pontes de madeira
apodrecida. Ao longo da estrada, estavam passando continuamente tropas de mulas
carregando balaios com milho e feijão. De vez em quando, uma carroça puxada por
bois se fazia ouvir de longe, cortando o silencio da paisagem com sua estranha música.
Logo adiante os meninos ficaram assombrados: estavam
passando pela Garganta do Leandro, onde o rio Passa-Vinte formava uma grande
cachoeira. Para Lídio, o barulho era equivalente a um trovão, e podia ser
ouvido a muitos metros de distância.
Depois deste espetáculo bonito da natureza, começou outro,
macabro: ao longo da estrada viam-se aqui e ali diversos esqueletos de caminhões
de combate, enferrujando no clima quente e úmido do vale do Ribeira. Eram
restos de antigos combates da Revolução Paulista de 1932.
A região que eles estavam cruzando era a frente do Ribeira
da guerra civil deflagrada com o manifesto constitucionalista de São Paulo, em julho de 1932. Apesar
de não ser uma das frentes mais importantes, ali também haviam ocorrido alguns
combates.
Na Garganta do Leandro Lídio notou horrorizado um cemitério com
cruzes de ferro dos soldados mortos durante os combates da revolução
constitucionalista. Havia apenas nove anos, aquela região havia
sido palco de combate entre as forças de São Paulo com os batalhões paranaenses.
Deixando para trás aquele cenário de guerra, os meninos
passaram pela localidade de Poço Grande e no inicio da tarde já estão no lugarejo
de Maria Gorda. Ali, Lídio anotou que existia a mina de cobre de Garapongá. A
região do vale era também (ainda é) uma região riquíssima em bens minerais.
Neste período havia uma grande concentração de pequenas
minas de cobre e chumbo por toda a região. Em Apiaí, no lado paulista do vale, estava
sendo construída uma Usina Experimental de Chumbo para beneficiar o minério e seus
subprodutos, como a prata, o ouro e o zinco. Era um período de grande
investimento público e privado, e pequenos povoados mineiros iam se formando
aqui e ali, no meio da imensa mata.
Depois de tomar um café e um bolo de fubá, os meninos
seguiram rumo norte, em direção ao vilarejo de Epitácio Pessoa.
No caminho, Lídio notou (e anotou em seu diário) que o rio
que margeava a estrada, o rio Grande, corria sobre um leito de areias muito
brancas. Aqui e ali, haviam algumas pequenas cacheiras, que Lídio anotou como
sendo de gré vermelha. Gré ou grés é uma palavra francesa para arenito, rocha formada pela solidificação de depósitos de areia. o uso da palavra grés por Lidio não está de todo incorreto, visto que realmente ocorrem muitos corpos de rochas
que poderiam ser assim denominadas nesta época.
Os jovens escoteiros estavam atravessando uma zona composta
por rochas metamórficas muito antigas, que formam grandes cristas de serra,
formada por duros quartzitos. Em outros locais, ocorriam mármores ora cinzentos,
ora mais claros. Estas rochas eram a razão do potencial mineral do Vale do
Ribeira. Só para dar um exemplo: na vila de Pedra Preta, onde hoje está a atual
cidade de Tunas do Paraná, haveria de se iniciar alguns anos depois a extração
de uma rocha ornamental muito usada hoje em dia, o “granito verde Tunas”.
Nas encostas das serras que eles iam pacientemente atravessando,
eram frequentes as cachoeiras. Nestas cachoeiras e corredeiras ao longo da
estrada, as caninhas do mato e os cordões de frade estavam sempre presentes,
batidas pelo vento formado pela energia das quedas d´água. Um espetáculo para
encher os olhos...
Nesta bucólica caminhada, os meninos chegaram na vila de Epitácio
Pessoa no fim da tarde. A vila já tinha sido mais importante, mas estava em decadência
econômica. As casas de estuque tinham buracos na parede e estavam com aparência
de malconservadas. A igrejinha pequena, no alto de uma pequena colina, não dava
aparência melhor à vila.
Os rapazes encontraram abrigo numa casa que servia ao mesmo tempo de
botequim, escola, residência e engenhoca de cachaça. Ao procurarem um rio para
tomar banho, conversaram com alguns meninos da vila. Estes meninos disseram que
os homens do lugar não estavam gostando da presença deles ali. Achavam que eles
eram policiais procurando marginais e fugitivos homiziados naquele fim de mundo.
A razão para as suspeitas eram as vestimentas do chefe Beto.
Vestido com um culote e portando um capacete, chefe Beto também tinha um revólver
na cintura. O porte militar do jovem chefe escoteiro chamou a atenção dos homens
da cidade. Ali, naquela vila cheia de fugitivos da justiça, a sua simples
presença provocava verdadeiramente esta suspeita.
Entretanto, o que realmente chamou atenção dos rapazes foi a
professorinha da vila. Curiosa e bonitinha, ela atraiu a atenção dos rapazes,
que ficaram conversando com a moça até a hora de dormir.
Na hora de dormir, chefe Beto ficou com a única cama, tendo
os outros que se contentar com o chão. Aquela seria a ultima noite dos rapazes
no sertão paranaense.
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