tirei daqui |
O dia está ensolarado. Um pouco de vento, e uns cirros no céu
anunciam uma chuva para breve. Chuva que, por certo, não virá, ressecando o
solo, as plantas e nossas vidas. É nosso
outono.
Ontem à noite fui surpreendido com a noticia do ataque
americano (mais ingleses e franceses) em instalações na Síria, que supostamente
abrigariam armas químicas. Fui dormir sem saber se acordaria num mundo
conflagrado, já que havia promessa de resposta russa. O Armagedon pululuva nas
redes sociais.
Hoje, já se sabe que, fora os danos de sempre, nada
aconteceu de verdade. Algumas instalações sírias foram destruídas. Os russos
protestam veementemente, mas não encostaram o dedo em seus próprios mísseis. Uma
reclamação formal e uma proposta de reunião do Conselho de Segurança. O próprio
Secretário-Geral condena o ataque. Aqui ao meu lado ouço o barulho das crianças
da casa ao lado brincando na piscina.
Por curiosidade, deixo a televisão ligada na Al-Jazeera. De cara,
vejo um debate entre um analista da Bloomberg e Glenn Greenwald, do Intercept.
Debate duro. A mesma toda dos outros debates que vejo depois: por um lado uns
acusam Trump de piorar o que já estava ruim, e ainda usando o argumento das
armas químicas. O próprio Secretário-Geral da ONU Guterres disse que haviam técnicos
no local prontos para investigar se ali haviam armas químicas. Do outro, a
alegação de que era preciso combater armas químicas e os civis sírios.
Milhões de sírios estão dispersos hoje pelo mundo. Vivendo em
acampamentos, tomando barcos frágeis sob controle de contrabandistas para fugir
da guerra civil que já dura sete anos. E eles são quem tem que arcar com os
custos em vidas e infraestrutura por cada ação militar, “cirúrgica” ou não, cometida em seu território, no intrincado xadrez que é a guerra civil lá deles.
Continuo vendo a al-Jazeera. Logo depois, um duro debate
entre um representante palestino e um ex-ministro da justiça de Israel sobre os
últimos acontecimentos em Gaza. Pelo que entendi, tropas israelenses e mesmo
snipers foram usados para dispersar uma manifestação palestina na faixa de Gaza.
Outro debate duro.
Fui cuidar da casa. Afinal, o mundo não vai acabar, e tenho coisas
a fazer. Fico me lembrando do nosso quintal. Há uma semana Lula está preso em Curitiba.
Um tribunal desses aí tirou o agora ex-governador Geraldo Alckmin da lista da
Lava Jato. O entendimento é que o caixa dois não é crime, e tem que ser julgado
na justiça criminal. Parece que a sangria vai sendo estancada. Com o Supremo,
com tudo.
O mundo não vai acabar. Ao menos por enquanto. Tem muito
louco à solta por aí, com poder para fazer isso acontecer. Aqui, ninguém sabe o
que vai acontecer. Estamos longe de virar uma síria. Mas tem muito louco que
gostaria de fazer isso acontecer em terras tupiniquins. Não seria difícil. Já temos
uma guerra civil latente contra os pobres. As milícias já estão ocupando território,
como nas guerras civis mais banais. Mas ninguém do lado de cá do “apartheid” em
que vivemos pensa nisso a sério, como Marielle Franco pensou.
Um mês do assassinato de Marielle, e tudo vai se resumindo a
notícias cada vez mais esparsas e cartazes desbotados nos corredores da
universidade. Milhões de pessoas em todo mundo apoiam o bombardeio de Trump sem
questionar. Na televisão, aberta, fechada ou por streaming, o que se vê são “famosos”.
Nas redes sociais, podemos saber mais sobre eles: quem são? Como se reproduzem?
A banalidade vai tornando tudo irreal, tudo borrado e apagado como uma folha de
papel impressa que ficou na chuva.
O Armagedon de ontem à noite se dilui como as nuvens que vi
no céu há pouco. Uma amiga querida me
corrige que a Al-Jazeera é igual ao nosso PIG, e que suas matérias sobre a
guerra civil na síria são igualmente ridículas. Concordo. Acho que estou muito
preso ao meu umbigo, sem procurar ver o que acontece no mundo, como fazia antes.
Vamos lá, então. O outono está só começando.
No mundo de hoje, a banalização é o maior perigo, é justamente isso que a grande mídia quer. Assim, ela pode manipular à vontade a grande massa: banalizando qualquer acontecimento, seja na esfera política como na vida privada, o homem tornado-se um joguete nas mãos dos poderosos sequer percebe que está dando o aval a qualquer guerra, seja no seu terreno, seja no terreno do vizinho.
ResponderExcluirPois é, meu caro Edson...parece que a gente é tão pequeno e impotente neste mundo de "famosidades" em que o "Homem de Bem" acha que vale alguma coisa...
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