sábado, 4 de março de 2017

A VOLTA PARA CASA: SOB A MIRA DOS SUBMARINOS ALEMÃES


Em março de 1942, a viagem de volta dos escoteiros antoninenses tinha o risco real de ataques de submarinos alemães
Na madrugada de 3 para 4 de março de 1942, o navio enfrentava uma forte tempestade em alto mar. Lydio Cabrera, entre assustado e encantado com o balanço do navio, saiu para fora.  Uma onda acabou atirando o escoteiro para os cabos da amurada, e Lydio receou que fosse atirado ao mar pelos vagalhões de agua salgada que varriam o convés. Um frio lhe correu a espinha e foi forte o medo de morrer ali, sem voltar a ver seus amigos e sua família.
Lydio ficou ali agarrado aos cabos mais uns quinze minutos, até que tomou coragem e voltou a seu camarote. Estava encharcado e gelado. Tomou um banho, caiu na cama e dormiu pesadamente. A viagem de volta estava tão cheia de histórias e percalços quanto a ida a pé até o Rio.
Haviam embarcado havia dois dias, de volta para a sua querida Antonina.  Ainda no Rio, o general Heitor Borges, chefe e grande patrocinador do escotismo no Brasil, havia feito uma brincadeira com os meninos, pedindo-lhes que voltassem de outra forma que não fosse a pé.  No dia da partida, o carro preto do General Heitor, dirigido pelo Dr. João, passou no quartel para levar os rapazes ao porto.
Ali no cais, ao se despedir do Dr. João, que tanto havia cuidado deles, os rapazes se emocionaram. Lydio conta em seu diário ter derramado algumas lagrimas naquela despedida. Sem a pronta ajuda do Dr João e de toda a Diretoria da UEB na época, os quatro rapazes não teriam se desincumbido de sua tarefa.
Já no navio, ao singrar as aguas da baia de Guanabara rumo a casa, os rapazes foram vendo as fortalezas do Rio de Janeiro e as montanhas azuis ao fundo, com um ar nostálgico de despedida. A paisagem foi sumindo no horizonte, até que só se via céu e mar.
Em viagem de primeira classe, os rapazes foram conhecendo um mundo novo: visitaram todo o convés, foram conversar com o comandante e com a tripulação, desceram ao porão para ver a casa de máquinas do navio. Desfrutaram das refeições fartas e exóticas. Lýdio experimentou lagosta pela primeira vez na vida. Em seu diário, anotou que as tais lagostas eram "uma espécie de camarão gigantesco, muito saboroso e de fácil digestão". Nas sobremesas, os rapazes se deliciaram com  sorvete de goiaba, tão bom que sempre repetiam.
Naquela noite o barco continuava navegando rumo sul, todo pintado de preto, e com as luzes apagadas. Quando os rapazes chegaram ao Rio, havia sido encerrada por aqueles dias a III Reunião de Consulta dos Chanceleres das Repúblicas Americanas. Esta conferência foi muito importante porque definiu a posição brasileira alinhada com os países Aliados e contra as potencias do Eixo.
O ataque a Pearl Harbour havia sido realizado em dezembro, poucos dias antes dos rapazes partirem de Antonina. Nesta reunião no Rio de Janeiro todos os países do continente americano, com a exceção de Argentina e o Chile, haviam se alinhado contra a agressão sofrida pelos Estados Unidos. Em pouco tempo, os submarinos alemães iriam começar o que um comandante alemão chamou de “alegre carnificina”: o ataque contra os navios mercantes nacionais, que vitimou por volta de 3.500 brasileiros e que seria decisivo para a declaração de guerra aos países do Eixo que o governo brasileiro fez cinco meses depois, em agosto.
Enquanto isso, Lydio anota em seu diário as precauções da embarcação para uma viagem em tempos de guerra. Com o receio de um ataque, o barco viajava todo pintado de preto, e nenhuma luz podia ser acesa no navio. Sequer fumar no convés era permitido. No meio de tantas preocupações, Lydio certificou-se de colocar um colete salva-vidas ao lado do beliche, para o caso de qualquer perigo.
Na primeira noite, a agitação entre os passageiros era geral: com o embalo do navio, os passageiros estavam todos enjoados, vomitando tudo o que haviam comido pela amurada. Milton Horibe, o chefe Beto e Manduca estavam entre os passageiros que passaram mal nesta primeira noite.
Após passar por todo o litoral paulista, tendo ao largo Ilha Bela e São Sebastião, o navio começou a mudar seu curso, e em breve estava atracando no Armazém 3 das docas de Santos. A última etapa da viagem estava chegando.

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