Curitiba tem estado nas cabeças e nas bocas recentemente
como um local: a sede da tal “República de Curitiba”, a sucessora da “República
do Galeão” dos desvarios udenistas do passado. Vi recentemente nas ruas os
carros com adesivos apoiando Sergio Moro e suas investigações. O curitibano
médio sente que ali esta se fazendo uma luta contra a corrupção, e se sente
mais aliviado.
Afinal, todos sabemos que, se estamos vivendo (e
sobrevivendo) numa sociedade marcada pela corrupção, a corrupção também nos
atinge. No fundo no fundo, todos nos sentimos um pouco corruptos no nosso dia a
dia. Molhar a mão do guarda, furar fila, andar acima da velocidade permitida
são pequenas corrupções. E existem as grandes, as grandes maracutaias, aquelas
que sabemos de longe, seja por conversas seja através de noticias na mídia. Se vemos
isso acontecer sem fazer nada, então somos todos corruptos.
Quando aparece alguém querendo fazer justiça, queremos que
ele puna os corruptos. E os puna exemplarmente. Segundo os psicanalistas, o
desejo é que nosso cotidiano corrupto seja punido, e que nós também sejamos
punidos por nossa corrupção. Aí vem a vontade de punir mais que a punição, punir
exemplarmente. A vontade de punir (nos punir) é como a sensação do linchamento.
Uma catarse coletiva toma conta da sociedade, que sente que está sendo
regenerada e punida por suas culpas.
Entretanto, uma coisa é a justiça, outra o justiçamento. A primeira
é lenta, exige contraprovas, não se contenta com versões, e nem sempre leva a
catarse. Muitas vezes, a justiça não pode ser feita exemplarmente, pois a
necessidade de provas é um imperativo e uma limitação da justiça. Não se pode
punir sem absoluta certeza; a dúvida está do lado do réu. Por isso muitas vezes
sentimos a sensação de que a justiça é distante, difícil, senão impossível.
Já o justiçamento não. Se a justiça não foi feita, podemos
rapidamente estender uma corda numa árvore e pendurar o culpado. Sim, porque o
culpado já o é de antemão. Precisa apenas de uma denúncia, umazinha só, e a
culpa está feita, às favas as minúcias e as regras legais. Queremos de uma vez
acabar com o culpado, e com ele acabar com nossa culpa. Quando acaba o justiçamento,
uma sensação de euforia e de dever cumprido toma conta das pessoas, como uma
boa injeção de dopamina.
O justiçamento pode deixar as pessoas mais relaxadas. Pode ser
glamuroso, como num filme do Batman. Mas na vida real, com suas incerteza e
suas nuances, o justiçamento espalha ainda mais injustiça do que aquela que
pretende exterminar. Os prejulgamentos, os julgamentos midiáticos estão aí pra
nos mostrar o quanto podemos nos equivocar e provocar ainda mais injustiças.
Existiu o caso da Escola Base em São Paulo. Existiu, nesta
mesma Curitiba republicana, o longo processo das “bruxas de Guaratuba”, uma
historia macabra de assassinato de crianças em rituais de magia negra que
frequentou nosso imaginário nos anos 90. E existem os processos políticos travestidos
de ações contra a corrupção, como estamos vendo hoje.
Nada contra investigações contra a corrupção. Quem não é a
favor de investigar e punir atos de corrupção, ainda mais com o dinheiro público?
No entanto, existe hoje uma série de perversões que estão sendo feitas em nome
do combate à corrupção e que estão viciando e envenenando nossa jovem
democracia.
A República de Curitiba, chefiada pelo juiz Moro, gerou uma
serie de fatos controversos, muitos deles contestados pelos Juízes do Supremo e
por muitos advogados no Brasil e fora dele. Prisões arbitrárias, investigações
feitas de maneira parcial, divulgação ilegal de escutas telefônicas, são muitas
as acusações de arbitrariedade manchando uma operação que deveria ser a “nossa”
Operação Mãos Limpas.
O juiz Moro não é Batman. Não podemos concordar com um juiz
justiceiro. As investigações devem ser feitas nos termos da lei. Claro, doa a
quem doer. Não podemos ser coniventes com quem rouba dinheiro público. Mas este processo de investigação - e isso eu acho que é claro (é?) para todos - deve ser feito dentro da lei.
De boas intenções estão cheias as casas e as almas da Vila
de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Uma cidade tão limpinha e
organizada, Curitiba tem orgulho de si mesma. Tem tanto orgulho de seus ônibus vermelhos
que não consegue pensar num sistema mais eficaz como o Metrô, por exemplo. A expansão
da cidade gerada nos tempos da Ditadura e de Jaime Lerner já não se sustenta.
Mas o curitibano que põe adesivo no carro dizendo que apoia
a Lava-Jato (incondicionalmente, talvez!) não anda de ônibus. É fácil sentir
orgulho de algo que você vê de longe, na canaleta. Não pega os ônibus superlotados
no horário de pico, não enfrenta as filas dos terminais. É fácil dizer que “o sistema
de transporte funciona”, por que você não sente a sua atual deficiência.
O curitibano que acha que mora na capital ecológica não pode
usar (nem pra limpar as mãos!) as águas do rio Belém, do Atuba e do Barigui.
Acha que o frio é chique, mas mora em casas ruins termicamente, e usa roupas de
frio igualmente caras e ruins. E se acha na Europa, cercado de araucárias por
todos os lados.
É fácil não ver seus próprios pecados. É fácil esperar que
um outro (um justiceiro) faça o “trabalho” que eu como cidadão não posso fazer.
É fácil bater no peito e dizer que o problema são os outros. Assim como é fácil
dar um like no facebook e colocar um comentário raivoso de que você é a favor
do Batman.
A república de Curitiba eu quero outra.
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