Karl Von Koseritz (1830-1890) |
"Meus leitores já conhecem Antonina, e assim poderia ficar a
bordo, uma vez que o meu dever de repórter não me chamava. No entanto, quando
se está há alguns dias a bordo sente-se especial prazer em ir a terra de novo,
e, como devíamos permanecer ali longas horas, desembarquei com o sr. Hauer e
logo achamos o restaurante da sra. Rosskampf onde tomamos a excelente cerveja
de Morretes, esta pura e verdadeira flor das cervejas nacionais. Fui em seguida
ao telegrafo, mas como o telegrafista tinha saído para passear tive de esperar
meia hora até que ele voltasse. Depois voltamos à casa da sra. Roskampf, onde
tomamos um almoço frugal, que nos coube muito bem, depois de dias de comida de
bordo.
Visitei
todas as ruas de Antonina, mas alem das coisas notáveis já observadas antes
encontrei uma outra, isto é, uma velha ruína com as portas e janelas
escancaradas, tudo aberto e destruído, arrebentado por toda parte, mas que
trazia uma taboleta com a inscrição “Hospital da Santa Casa”.
Extraordinária idéia. Uma ruína não pode ser
hospital; pode no máximo pretender sê-lo, depois de restaurada. Possivelmente
puseram a taboleta para convidar os estrangeiros a auxiliarem na reconstrução
da casa, que já se acha assim há 20 anos. As ruas de Antonina estavam desertas,
a pesar do domingo, somente os urubus andavam gravemente e sacudiam a cabeça
para os estranhos que perturbavam o seu dia santificado.
Somente pela tarde se
animou; havia corridas nas proximidades, e os jovens cavaleiros de Antonina
vieram à casa da sra. Roskampf a fim de jantar e comentar os acontecimentos das
carreiras. Causou-me
curiosa impressão que um negro se tenha assentado na mesa junto com os rapazes,
(na sua maioria de descendência alemã), e se tenha feito servir confiadamente
por brancos. Isto parece natural aos costumes locais, e afinal o cidadão preto
pode ser um digno membro da sociedade humana.
À noite voltei para bordo e esperei com paciência até que o
carregamento estivesse acabado e nos puséssemos a caminho. Já disse que desde Paranaguá até
Antonina as alturas que cercam a baia são cobertas por espessas florestas, nas
quais não se vê uma clareira.
O sr.
José Hauer me disse que a terra é excelente e muito fértil mas falta gente, e a
incoerência dos governos desacreditou de tal forma o Paraná com os seus erros
que não se pode pensar no reforço da imigração nos próximos tempos.
Infelizmente é sempre a insensatez dos governos que cria impedimentos aonde a
natureza oferece tudo o que é necessário para um bom desenvolvimento da
imigração e da colonização.
Naturalmente quando ocorrem desonestidades como
aqui, onde potentados compram terras por 15 contos para vendê-las ao governo
por 90, terras aonde não há absolutamente nada, então não se deve admirar que a
colonização não progrida. Tenho ainda muita esperança nesta bela e rica
província, aonde a cultura alemã, (pelo menos na capital e imediações),
floresce tão fortemente. Possam os patrícios do Paraná prosseguir no caminho
certo; também eles têm a construir uma parte da historia cultural, e um dia,
conosco e com os alemães de Santa Catarina, seremos um fator nada desprezível
na historia do Brasil meridional.
Amanhã, se correr bem, estaremos ao meio dia em Desterro, e
de lá ainda escreverei. Quarta feira de manhã devemos atingir a nossa barra; se
tal não se der, é outra questão, que fica aberta ao destino.
Antonina, 24 de junho de 1883".
mais um texto de Karl von Koseritz, jornalista alemão que se radicou no Rio Grande do sul e foi um dos grandes propagandistas da imigração alemã para o Brasil nos tempos do Império Esta é sua segunda passagem pela Deitada-a-beira-do-mar. (a primeira pode ser lida aqui). aqui ele narra o passeio pela cidade deserta, sabemos que em Morretes tinha uma cerveja boa. Koseritz narra a moda das corridas de cavalo em Antonina e se surpreende ao ver um negro sendo tratado como igual pelos outros rapazes brancos. Ao final, comenta sobre a corrupção que grassava no Paraná daquela época, onde os fazendeiros compravam terras de graça e as vendiam ao governo por fortunas. Nada que aconteça hoje, felizmente...