Hoje é seis de novembro, quando se completa o duocentésimo-décimo-quinto
aniversário da elevação da Deitada-a-beira-do-mar como a Villa Antonina, em
substituição à antiga Freguesia de N.S. do Pilar da Graciosa, ou, antes disso ainda, como a localidade da Graciosa. A Graciosa foi a boca do sertão onde, oitenta e quatro anos antes, o Capitão-mor
Valle Porto mandou fazer uma capela, bem ali em cima da colina.
O local já era conhecido e devassado já fazia bem uns cem
anos. Conhece-se carta de 1622 onde se diz que, na capitania de são Vicente, apenas
a minas do Pernagoá davam algum retorno do capital investido. As famosas minas
do Pernagoá, de que tanto se falou nos seiscentos, eram na verdade uma faixa de
terra entre o Rio Sagrado e o Rio Sapitanduva. Algumas minas ficavam nas bordas
da enseada de Guarapirocaba, ou no Rio da Faisqueira. A maior parte das minas, entretanto,
que eram alguns garimpos de cata, ou seja, de ouro de aluvião, situavam-se no
rio Cubatão, que depois do século XIX se chamaria Nhundiaquara. Ou seja, as minas
do Pernagoá eram exatamente onde hoje temos as cidades de Morretes e Antonina e
as “vilas” do Porto de Cima e São João da Graciosa.
Vila mesmo era o Pernagoá, a vila de NS do Rosário, situada
nas barrancas do Itaguaré, que hoje se conhece como Itiberê. Era lá que tinha
igreja, era lá que o padre rezava a missa e onde os cristãos eram batizados –
Deus os livre de morrer pagãos! E isso significava andar horas e dias de canoa,
só pra receber sacramentos. Na ausência de padres, quem precisava de extrema unção tinha que mostrar os documentos comprobatórios do arrependimento dos pecados direto pra São Pedro. Casar, então? Ninguém casava, se juntava. Viviam todos em pecado. Depois de
anos, se aparecesse um padre por ali, era feita a "regularização da situação" perante
Deus.
Depois que foi mandado fazer a capelinha, a gente da Graciosa,
do Rio do Pinto e dos Treis Morretes deu de ficar topetuda. Não queria mais ir à
missa em Paranaguá. Quando virou Freguesia, ou seja, teve padre que ali
residia, os moradores daqueles sertões onde só dá bagre andaram de ficar
hereges. Foram todos excomungados pelo padre parnanguara. O padre da Freguesia da Graciosa,
por seu lado, soltou uma excomunhão contra o senhor seu Vigário de Paranaguá. Raios pra cá e pra lá, uma confusão dos diabos naquele fundo de baia. Olha, eu não
estive lá, mas o Ermelino, que deu umas olhadelas, disse que foi uma briga danada!
Por fim, depois de muita pedinça, os moradores do fundão da
baía puderam ser uma vila, puderam eleger eles mesmos seus camaristas (que aquele
tempo trabalhavam de graça, viu?) e mesmo – horror dos horrores!– ter um
pelourinho pra castigarem eles mesmos os seus escravos. Gente mais cruel e estranha,
esses tataravós dos bagrinhos...
O dia escolhido pra isso foi um 6 de novembro. Chovia, fazia
sol? Ermelino não contou. O que ele contou mesmo foi a alegria das pessoas da
vila, que agora em diante, além de ter um padre pra cuidar das almas, tinham também
uma câmara pra cuidar de seus interesses, que não eram poucos. O nome da
freguesia mudou, pra homenagear o menino Toninho, o futuro rei de Portugal. Villa Antonina, não é
bonito? Mal sabiam que o tal do Toninho ia morrer sem sair das fraldas e que quem
ia nos governar era o Pedro, aquele caçulinha maluquinho ali, atrás da janela. E
que seríamos brasileiros, e não mais os portugueses da América. Mas isso é
outra história.
As cidades são assim. Umas surgem assim, outras assado. As vezes,
não dá pra saber ao certo quando a cidade virou cidade. Buenos Aires foi
fundada duas vezes, e só a segunda que deu certo. E daí? Nada contra Pedro de
Uzeda e sua trupe. Mas eu gosto mais dessa outra história, de uma vila que se
fez alegre a comemorar sua emancipação, mesmo com a tal autorização pra construir pelourinhos. Hoje, minha Antonina gentil é uma bela
cidade: 215 anos com um corpinho de 214.
Viva a Villa Antonina e abaixo a escravidão!
Adorei sua leitura sobre nossa história. Lúdica mas "verdadeira". Não tinha notado sobre a escolha do tal príncipe Antonio (morreu). Acho que está aí nosso legado pessimista. Poderíamos ter sido denominada de Pedrolina...ao menos foi o príncipe que se transformou em imperador.
ResponderExcluirabraço
Bó
Muito obrigado, meu caro, pela sua gentileza. Pois, então, Eduardo, lembro muito de meu Pai comentando esse fato...e muita gente achava que isso -a morte prematura do herdeiro do trono - foi um sinal de azar. mas o azar mesmo era da familia Bragança pois, pelo que conta, nenhum herdeiro sobreviveu pra herdar o trono. Dom João era o quarto filho, e mesmo D Pedro II não era o primeiro, mas o primeiro homem.
ExcluirTeve até gente, segundo seu Dodô, que tinha uma sugestão de mudar o significado do nome da cidade pra "antos", que significa flor em grego...
Mas o nome da cidade pouca coisa tem a ver com destinos: depois que foi chamada Villa Antonina, depois só Antonina, a vila, depois cidade, só progrediu. Atraso, mesmo, só no fim do seculo XX. acho que nossa geração é que é azarada...
Azar ou sorte, nós escrevemos nossos destinos.
ResponderExcluircom certeza, meu querido!!
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