Sócrates Brasileiro (1954-2011) |
O ano era
1979. Eu tinha 16 anos e estava no terceiro colegial, achava que estudava pra
burro, mas não estudava era nada. Vivia fazendo caricaturas dos professores,
escrevia umas bobagens e desenhava alguns cartuns pro jornalzinho da escola. Era o
começo do fim da Ditadura, e nós, no Grêmio da escola, nos achávamos de
esquerda, heróicos lutadores contra a ditadura num colégio pequeno-burguês de
Londrina. Pior que pequeno-burguês, confessional, dirigido por irmãos Maristas.
Mas não é
que os Irmãos lá do colégio eram de esquerda? O mais “comunista” deles era o
irmão Teófilo, que era nosso professor de historia e de Filosofia. Pela
primeira vez tivemos que estudar conceitos como “modos de produção”, “Luta de
classes”, “proletariado”, além de revisar as fases das Revolução francesa e russa. O Bispo de Londrina se enfezou, os pais
se enfezaram: o irmão Teófilo era um melancia, isto é, verde por fora, mas
vermelho (comunista!!) por dentro. Estavam fazendo a cabeça de nossos filhos
com proselitismo comunista.
Mal sabiam
estes pais – o meu pai nunca se importou com estas questões, eu estava livre
pra pensar o que quisesse – que já estávamos de cabeça feita antes do Irmão Teófilo
entrar em nossas vidas. Em julho daquele ano – mais precisamente no dia 19 – as
forças sandinistas entravam em Manágua, pondo fim aos mais de trinta anos da
ditadura de Anastácio Somoza. Era com alegria que tínhamos em mãos um mapa da Nicarágua
e ficávamos colorindo de vermelho os pontinhos das cidades que caiam em poder
dos guerrilheiros sandinistas. Foi com jubilo que vimos o gordito Somoza pegando um avião e fugindo, os guerrilheiros em caminhões
com os fuzis para o alto libertando seu povo. Sim, minha geração teve a sua revolução
cubana, embora com menos brilho. Como era bom ser Sandinista naquela época!
Tinha também
um grupo outro de barbudos em nossa mente. Os tais dos metalúrgicos do ABC, que
com suas greves monumentais desafiavam a ditadura. Lembro de minha tia dizer de
um daqueles barbudos: “o Lula tem a postura de estadista que muito estadista
que está aí não têm”. Os debates daquela época eram sobre se montar um partido operário
de uma vez ou lutar para acabar com a ditadura via MDB, depois PMDB. Claro que,
com 16 anos só participava marginalmente deste debate, mas tínhamos estas e outras questões
acesas em nossas mentes juvenis.
E tinha também
um outro barbudo, um cara desajeitado que jogava bola de um jeito meio
esquisito e que fazia passes de calcanhar que desconcertavam as defesas adversárias.
Além do mais, era estudante de medicina em Ribeirão Preto. Um absurdo. Como o desengonçado perna-de-pau que sempre fui, virei fã daquele outro desengonçado que redimia nossa desejeitada categoria. Nos jogos
Intermarista daquele ano, nossa equipe voltou dizendo que apanharam feio do time do Marista
de Ribeirão: "o irmão do Sócrates estava naquele time!". É, olhando de hoje, não tinha
mesmo pra ninguém.
Um dia, não
me lembro porque, pichei um muro perto da casa de minha tia com grandes letras capitais: “Sócrates – Sandino”.
Até hoje não descobri como meu tio adivinhou que quem escreveu aquilo fui eu...
Nos anos
seguintes, só ia dar ele, o Doutor. Esquisito, jogando esquisito, correndo
esquisito, mas com uma técnica inimitável, Sócrates foi nossa força e nossa
voz. Até corinthiano fui, naqueles tempos de Democracia, assim, com “D” maiúsculo.
Não tinha como não ser corintiano naqueles tempos. E os gols que fez, as
jogadas que ele executou na copa de 82? Magia pura...
Ano passado,
vi o doutor rapidamente num shopping aqui em Campinas. Senti vontade de ter ido
lá e cumprimentado ele. Maria José, minha mulher, ficou me tirando porque eu parecia
um guri que via o seu ídolo. E era a pura verdade.
Hoje ele se
foi. O mundo fica mais triste, pelo menos o mundo da bola. Um boleiro
consumado, que misturava política e futebol sem se machucar, mordaz e irônico,
e que nunca ficava ao redor do poder feito mariposa. O outro mundo, se é que
existe, vai ter um reforço no seu time de craques. Já imaginou Sócrates dando
passe de calcanhar pra Garrincha?
(Não sei o
que vai dar na decisão de hoje; sei que, lá embaixo, o Atlético se safa, não
sei se pelo lado da purgação na segundona ou pelo alivio de continuar na
primeira...)
PS - alguns dias depois, acho que foi o Tostão ou o Juca Kfuri - fizeram a mesma analogia de sócrates com garrincha. Devo confessar que fiquei vaidoso com tão ilustre companhia....
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