A história é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquela que a negue
(Chico Buarque , Canção pela unidade da América Latina)
Até agora eles estiveram ausentes das discussões, como se
não fosse com eles. Olhavam de longe, desconfiados. Mas, apesar de
desconfiados, pegavam os ônibus e iam trabalhar. Nestes últimos dias, foi
diferente. Será que o “povão”, esta massa difusa que reúne operários,
empregados do comercio e serviços, autônomos, técnicos e todos os serviços, finalmente
entrou na arena política? Essa massa de trabalhadores não se mexeu durante o
golpeachment. Também não se moveu durante a prisão de Lula. Mas estava lá,
atenta.
Agora, aqui e ali, a montanha se move. As pessoas brotam
como que do chão, e vão para os piquetes dos caminhoneiros. Leio na imprensa
estrangeira (a BBC está dando um show de cobertura) que todos estão
descontentes com a situação. Uma manicure de 33 anos num piquete na Regis Bittencourt
relata ao ElPaís: "Tudo é muito caro. A gente não vive como poderia viver,
porque nosso dinheiro é tão pouco e vai todo para imposto. O que você faz com
um salário mínimo? Você vai no mercado e não consegue fazer uma compra
decente".
Mais adiante, no mesmo piquete, um outro manifestante, intitulando-se
eleitor de Bolsonaro, diz ao repórter: "Você
está contente com o país em que está vivendo? Tem que ter alguma coisa. O Temer
está destruindo o Brasil". Ao ser perguntado se ele achava que a tal
intervenção militar iria ajudar, ele não sabe responder.
Outros protestos ocorrem aqui e ali, de forma espontânea.
Ontem, diversos pontos aqui de Campinas houve bloqueio de ruas e avenidas e
dois ônibus foram queimados. Nada a ver com os piquetes. Nada a ver com os
caminhoneiros. Todos estão perplexos com a situação.
O povão quer tirar este governo, por reconhece-lo corrupto e
elitista. A greve dos caminhoneiros abriu esta possibilidade. Agora, não é mais
um protesto de classe média. É a grande massa trabalhadora que entra em cena,
coisa rara de ver na história do Brasil. Rara, mas sempre decisiva.
Assim foi nos momentos decisivos da abolição dos escravos.
Assim foi nas manifestações de rua em 1983, quando encurralaram a Ditadura
Militar com protestos e saques em diversos cantos do Brasil. Assim é a luta
cotidiana de diversos movimentos populares, como as ocupações urbanas, os
trabalhadores rurais sem-terra, os sem teto, os índios. Mas que hoje se
potencializa e chega as cidades.
No entanto, essa grande massa é lenta e confusa. Sem
direção. Há uma luta pela hegemonia deste movimento pelos grupos que querem uma
intervenção militar. Sem Lula, preso em Curitiba, a massa está confusa e sem
saber o rumo. Nestes dias, esteve sob a influência dos autoritários. Trata-se,
entretanto, de uma intervenção militar confusa, sui generis, que ninguém sabe
direito o que é. Algo como uma cura milagrosa, um remédio salvador. Coisa
temporária, dizem alguns, para consertar o país. Mas ninguém sabe dizer ao
certo o que é, como deve ser feita.
Para estas pessoas a solução mágica foi dada. Intervenção
militar. Como a esquerda fez que foi e não foi, a massa está sendo cooptada por
este movimento autoritário e com matizes fascistas. Limpar quem, cara pálida?
Só os políticos? Aham. Já vimos este filme.
Desde a deposição da presidenta Dilma pelo Congresso, naquela
sessão dos horrores há dois anos, só vemos a situação piorando. Como era
previsto, há uma anarquia institucional, um bate-cabeça generalizado entre os
três poderes. Um ministério publico enlouquecido. O Fla-flu disputando o
discurso hegemônico até então se resumia à classe média. Agora, um novo
personagem entra em campo. O povão.
Os protestos populares começaram a se diluir nas estradas na
tarde desta terça. Os dirigentes sindicais dos caminhoneiros dizem que acabou,
é pra se desmobilizar. Mas eles, os caminhoneiros e o povo, não se
desmobilizam. Sentem que ali há uma chance. Sentem que há uma chance de ir além
e mudar o país. Como? Ninguém sabe.
Parece que os protestos destes últimos dias, e mesmo os
pedidos de intervenção militar não são nada mais nada menos que um grande,
confuso e difuso Fora Temer. O povo não aguenta mais o presidente vampiro e seu
governo zumbi, como eles mesmo disseram nas ruas e nas estradas. Não aguenta
mais a economia, a política, os escândalos de corrupção abafados pelo
congresso.
Mais do que intervenção militar, o povão está querendo um
monumental Fora Temer.
Fora Temer.