Curitiba
O interventor do estado
era um pinheiro inabalável
inabaláveis pinheiros igualmente
o secretário da segurança pública
o presidente da academia de letras
o dono do jornal
o bispo o arcebispo o magnífico reitor
ah se naqueles tempos
a gente tivesse
(armando glauco dalton)
um bom machado!
(José Paulo Paes)
Muito tem se falado na tal “República de Curitiba”. Para uns,
trata-se de gente fazendo a lei; para outros, trata-se do judiciário
extrapolando sua função, com os juízes e Ministério Público tornando-se “justiceiros”,
conforme já discuti aqui no blog. No entanto, para longe dessa Curitiba oficial
(seria oficialesca?), gostaria de fazer algumas considerações sobre uma outra República
de Curitiba.
Trata-se da Curitiba que se ergue para além da Curitiba oficial,
das canaletas do expresso, do calçadão da rua XV e do bosque do Papa. Uma Curitiba
diferente da Curitiba que frequenta os shows do Teatro Guaíra ou os saraus do
Clube Curitibano. A Curitiba suja, a Curitiba feia, a Curitiba que não está no
mapa.
Trata-se da Curitiba da cultura underground. Nos pequenos
bares ao redor da Reitoria, nos palcos do TUC, nos coletivos artísticos que
hoje proliferam na vida cultural da cidade. Uma efervescência que ultrapassa em
quantidade a qualidade muito do que a cultura oficial vem produzindo. Estes
grupos hoje estão produzindo uma inquietação que vai além da acomodação da
classe média curitibana e seu sentimento que seu “Batman” togado vai resolver
seus problemas enquanto estão sentados no sofá da sala.
No passado, esta Curitiba era representada pelas figuras
marginais da cidade. O grande ícone sempre foi Santa Maria Bueno, a santa das
putas. Assassinada por seu amante no final do século, seu tumulo na ala mais
pobre do cemitério municipal é hoje o grande centro de peregrinação. São as
prostitutas, as mulheres humildes, deserdadas na sociedade Família &
Propriedade os que buscam seu consolo. Outro grande ídolo foi Gilda, o traveco,
o sujo, o odiado e amado nos anos 70 e 80. Não havia como não vê-la na rua XV, amável
e provocante, de vestido e barba por fazer. Eu vi.
Não por acaso, hoje Maria Bueno e Gilda são ícones desta
Republica de Curitiba. Por seu papel transgressor, seu desafio á bem-comportada
ordem, sua afronta aos bons costumes, elas representam a Curitiba que não se
verga as luminárias de plástico “para turista ver”, como já reclamou no passado
outro ícone fora do eixo, Dalton Trevisan. Esta Republica de Curitiba é o
espirito de Paulo Leminski, a tropeçar bêbado pelas canaletas do ônibus expresso,
a cantar suas maldições. É a Curitiba de Ademir Plá, a nos embalar nossas
manhãs na rua XV com sua música torta e sua estética riponga.
Hoje, é a Curitiba dos coletivos, dos shows na praça do
ciclista, da ocupação da Funarte, da recusa a participar da arte oficial. É a
arte dura e provocante de coletivos como o Agua Viva Concentrado Artístico e a
Selvática, entre outros, que fazem a outra República de Curitiba dar as caras,
e denunciar a ordem e o progresso da Curitiba bonitinha, limpinha e ordinária. É
a Curitiba da transgressão, do transgênero, do transbordamento da inquietude
que desafia a Curitiba dos carros caros e dos edifícios empresariais limpinhos,
cheios de homens engravatados e mulheres de tailleur, prontos para descer o
cacete no novo, no feio e no diferente.
Como amar Curitiba? Não sei. Nem tentei. Nunca me seduziu
essa estética de classe média de morar em sobradinho e essas canaletas de ônibus
que fazem os pobres morarem cada vez mais longe. O aperto dos terminais de ônibus
contrasta com o espaço aberto do Centro Cívico, esse elefante branco manchado
do sangue dos professores paranaenses por mais de um governo “democrático”. Temos
que dizer não ao “Paraná das Famílias” e da “Curitiba que tem túmulo no Cemitério
Municipal”, como disse no passado um orgulhoso Rafael Greca.
A verdadeira República de Curitiba é a cidade das casas de
madeira, das fachadas de lambrequins. É a república dos trabalhadores indo de
bicicleta para o trabalho, das diaristas atulhando os ônibus expressos para o
centro. É a dos bailões sertanejos da periferia, das peladas da várzea, das calçadas
de grama, dos botequins sujos servindo ovo com rolmops. É a Curitiba das
prostitutas, dos trabalhadores humildes, dos empregados do comercio, cantados por Dalton Trevisan. A Curitiba
dos negros e dos polacos, e dos polacos pretos. Essa cidade simples e humilde (muitas vezes
conservadora), mas que valem mais do que quadras inteiras da Agua Verde e do
Jardim social.
Viva Gilda e Santa Maria Bueno. Essa é a República de Curitiba.
A outra, a tal, que a História tenha piedade.