quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O NOVO TEMPO SAQUAREMA

Foto auto-explicativa de Marcelo Camargo (agencia Brasil)

Hoje acordei bem cedo. Chovia e fazia frio. Levantei para retirar algumas coisas que deixamos no jardim e que estavam molhando. Voltei pra dentro molhado, sentido o vento frio na cara. Hoje, parece que o dia inteiro foi assim, feio e frio.
É num dia assim que vivemos um dos momentos mais tristes da historia politica do Brasil.
Tudo já estava anunciado de antemão. Os acordos já tinham sido feitos e ninguém acreditava que seria possível uma reviravolta de ultima hora nessa votação.
Dilma Roussef errou, e errou muito. Mas também acertou, várias vezes.  No seu segundo mandato, foi impiedosamente impedida de governar pelas "pautas-bomba" de Eduardo Cunha. Não há como defender o governo de Dilma pelo conjunto da obra. Mas defender a legalidade e a democracia, essa é a questão que se coloca. Como disse o blogueiro Daniel Buarque (aqui), o impeachment de Dilma Roussef acabou por reforçar nossa imagem de Democracia “disfuncional”.
Quanto ao julgamento:  foi impressionante ver Dilma Roussef durante 14 horas de sessão ali, firme, respondendo as questões duras que lhe foram feitas. Muitos estranharam o seu jeito demorado de responder, a fala muitas vezes repleta de tecnicalidades e alguns equívocos. Muitos dos que vi fazendo gracinha com os eventuais deslizes de Dilma Rousseff não passariam numa mera apresentação de seminário na faculdade. Mas, no “haterismo” da internet, viram doutores.
Num bombardeio desses, o que ficou não foram os eventuais equívocos e deslizes, mas os muitos acertos de sua narrativa. O que ficou foi sim uma Presidenta da República respondendo politicamente a um julgamento baseado em falsas premissas. E ela as respondeu, uma a uma. Collor faltou à dele, e duvido que muitos destes doutos senhores ali do Senado tivesse a força demonstrada por Dilma ao fazê-lo.
Sim, porque a vontade de destitui-la veio muito antes das razões que se levantaram para tanto. Primeiro queriam a recontagem dos votos. Não deu em nada. Depois, desconfiaram das urnas eletrônicas. Como se tivessem pequenos petralhas digitais nas urnas fraudando votos, o que obviamente não foi verificado. A verdade é que a direita no Brasil sempre tem desconfianças com as urnas, e não só das eletrônicas. Desde a UDN, quando a democracia de massas se implantou no Brasil, preferem o caminho do golpe ou das mudanças constitucionais. Voltaremos a este assunto em outra ocasião.
Bom, aí vieram as tais das pedaladas fiscais. É um argumento muito fraco. Para o especialista Kai Micheal Kenkel, do Instituto alemão de Estudos Globais e Regional e observador do processo, o uso das pedaladas configuraram um abuso do mecanismo de impeachment (ver aqui). Segundo ele, além dos vários pareceres que demonstraram que as pedaladas não podem ser enquadradas como crime, uma vez que “outros presidentes já fizeram uso das pedaladas fiscais. A única diferença é a envergadura, que foi maior sob Dilma", conclui Kenkel.
As tais das pedaladas fiscais soarão no futuro tão ridículas quanto outros processos políticos do passado.
Lembro aqui, do famoso Plano Cohen. Divulgado pelo governo de Getúlio Vargas em 1937, continha um suposto plano de tomada do poder pelos comunistas. Sabe-se hoje que foi escrito pelo então capitão do exército (e não por acaso golpista de 64) Olímpio Mourão Filho, militante integralista, e que serviu de pretexto pra a consumação do golpe do Estado Novo (para saber mais veja aqui).
Pretextos para golpes de estado não faltam, mesmo para nossa tão pouco criativa elite econômico-financeira.
O que estamos assistindo é a volta do grupo conservador a cena politica brasileira. Depois de treze anos de um governo que foi timidamente progressista, as “forças vivas da nação“, como em 64, deram uma volta por cima. E que volta por cima! Um “Regresso” bem a seu modo. Não é um golpe de estado. Mas tem o cheiro ruim, o gosto amargo e a aparência estragada de um golpe de estado.
 Sob os céus do Brasil (que hoje amanheceram frios e cinzentos por aqui) instala-se mais um “tempo Saquarema”. “Partido Saquarema” era o apelido dado pelo povo aos integrantes do Partido Conservador dos tempos do Império, advindo da região do estado do Rio dominada politicamente (leia-se pela violência e capangagem) por vários influentes lideres deste Partido.
Este é o Brasil do “Centrão Saquarema”, dominado por homens brancos de meia idade e apoiado pelos três maiores partidos da casa: o Partido do Boi, o Partido da Bala e o Partido da Bíblia. Baseado na violência e na coerção física, como os saquaremas imperiais, a nova ordem quer impor uma plataforma derrotada pelas urnas. Quer remover direitos e dar algumas vantagens a burguesia rentista brasileira, famosa por sua dependência (eles sim!) das “leis Rouanet” da economia. O Centrão Saquarema quer desnacionalizar por preço vil o pouco que nos resta de riquezas naturais. E quer acabar – leia-se criminalizar - com toda a oposição de esquerda.
Outro não é o significado desta quarta feira. Amanhã, sob a égide dos novos saquaremas, a merda vira ouro, os meganhas da PF voltam para seu lugar, os pobres vão para a cadeia. E todos na Casa Grande, depois de longos treze anos, finalmente podem dormir o sono dos (hã?) justos.
Fim da História.
Mas...a Historia tem fim?

A conferir.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

OS "BONS TEMPOS" DE MUNIRA PELUSO

Eu não estava com muita vontade de opinar sobre as eleições municipais de Antonina, por diversas razões. Sem nenhum desdouro aos demais candidatos à vaga de prefeito, continuo achando que Zé Paulo deveria ter uma chance de governar Antonina. As razões já dei aqui neste blog. Mas essa resposta, bem sei,  cabe aos quinze mil (quinze mil?) eleitores da Deitada-a-beira-do-mar.
O que eu gostaria de comentar – mais uma vez – é a longevidade da candidatura Munira Peluso. A movimentação na internet e no facebook começou com a clara intenção de alavancar sua campanha. O tal do grupo público aberto parece bem demonstrar isso.
Conforme já falei aqui, Munira Peluso tem cerca de vinte a vinte e cinco por cento dos votos cativos. Isso não muda, pois é um eleitorado que veio com ela desde os anos 90 do século passado. As politicas clientelistas da ex-prefeita, que também já discuti aqui, contribuem para isso.
A campanha é bem óbvia. Fala de um tempo no passado, um tempo ideal. O álbum de fotos  “Bons Tempos”, mostra em tons descoloridos uma Antonina ideal, como se Antoninas ideais existissem. Obras realizadas, pessoas felizes, notícias boas nos jornais. Parece que tudo corria as mil maravilhas neste breve tempo, em comparação com os tempos que se seguiram.
Esta é uma tática ilusionista. Vista do tempo nebuloso de hoje, parece que havia uma era de ouro em Antonina, maior até que os tempos de Heitor Soares Gomes.   O que, evidentemente, é uma grande bobagem.
Naqueles tempos, Munira nadou numa corrente de prosperidade do governo Jaime Lerner (Quem se lembra?),  com a inauguração do Terminal Frigorifico e em algumas outras politicas que já não mais existem. Nem seu antigo benfeitor, Beto Richa, pode mais ajudar ninguém. A grande oferta de empregos daquela época não é possível mais hoje. Ou seja, uma gestão Munira neste já tão avançado século não seria mais do mesmo. A conjuntura é outra.
Claro que olhar para o passado olhando a partir do desastre ético da gestão D´Homero dá algumas vantagens em comparação com prefeitos anteriores, todos eles.  Mas esquecer o nepotismo e a mediocridade de uma gestão que quase acabou com o Carnaval de Antonina -quem se lembra? Essa era a Antonina de “Mônica”: parentes na prefeitura, moralismo de araque sufocando as festas públicas, valentões espancando desafetos e opositores.

Eram realmente bons tempos?

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A REPUBLICA DE CURITIBA



Curitiba tem estado nas cabeças e nas bocas recentemente como um local: a sede da tal “República de Curitiba”, a sucessora da “República do Galeão” dos desvarios udenistas do passado. Vi recentemente nas ruas os carros com adesivos apoiando Sergio Moro e suas investigações. O curitibano médio sente que ali esta se fazendo uma luta contra a corrupção, e se sente mais aliviado.

Afinal, todos sabemos que, se estamos vivendo (e sobrevivendo) numa sociedade marcada pela corrupção, a corrupção também nos atinge. No fundo no fundo, todos nos sentimos um pouco corruptos no nosso dia a dia. Molhar a mão do guarda, furar fila, andar acima da velocidade permitida são pequenas corrupções. E existem as grandes, as grandes maracutaias, aquelas que sabemos de longe, seja por conversas seja através de noticias na mídia. Se vemos isso acontecer sem fazer nada, então somos todos corruptos.

Quando aparece alguém querendo fazer justiça, queremos que ele puna os corruptos. E os puna exemplarmente. Segundo os psicanalistas, o desejo é que nosso cotidiano corrupto seja punido, e que nós também sejamos punidos por nossa corrupção. Aí vem a vontade de punir mais que a punição, punir exemplarmente. A vontade de punir (nos punir) é como a sensação do linchamento. Uma catarse coletiva toma conta da sociedade, que sente que está sendo regenerada e punida por suas culpas.

Entretanto, uma coisa é a justiça, outra o justiçamento. A primeira é lenta, exige contraprovas, não se contenta com versões, e nem sempre leva a catarse. Muitas vezes, a justiça não pode ser feita exemplarmente, pois a necessidade de provas é um imperativo e uma limitação da justiça. Não se pode punir sem absoluta certeza; a dúvida está do lado do réu. Por isso muitas vezes sentimos a sensação de que a justiça é distante, difícil, senão impossível.

Já o justiçamento não. Se a justiça não foi feita, podemos rapidamente estender uma corda numa árvore e pendurar o culpado. Sim, porque o culpado já o é de antemão. Precisa apenas de uma denúncia, umazinha só, e a culpa está feita, às favas as minúcias e as regras legais. Queremos de uma vez acabar com o culpado, e com ele acabar com nossa culpa. Quando acaba o justiçamento, uma sensação de euforia e de dever cumprido toma conta das pessoas, como uma boa injeção de dopamina.

O justiçamento pode deixar as pessoas mais relaxadas. Pode ser glamuroso, como num filme do Batman. Mas na vida real, com suas incerteza e suas nuances, o justiçamento espalha ainda mais injustiça do que aquela que pretende exterminar. Os prejulgamentos, os julgamentos midiáticos estão aí pra nos mostrar o quanto podemos nos equivocar e provocar ainda mais injustiças.

Existiu o caso da Escola Base em São Paulo. Existiu, nesta mesma Curitiba republicana, o longo processo das “bruxas de Guaratuba”, uma historia macabra de assassinato de crianças em rituais de magia negra que frequentou nosso imaginário nos anos 90. E existem os processos políticos travestidos de ações contra a corrupção, como estamos vendo hoje.

Nada contra investigações contra a corrupção. Quem não é a favor de investigar e punir atos de corrupção, ainda mais com o dinheiro público? No entanto, existe hoje uma série de perversões que estão sendo feitas em nome do combate à corrupção e que estão viciando e envenenando nossa jovem democracia.

A República de Curitiba, chefiada pelo juiz Moro, gerou uma serie de fatos controversos, muitos deles contestados pelos Juízes do Supremo e por muitos advogados no Brasil e fora dele. Prisões arbitrárias, investigações feitas de maneira parcial, divulgação ilegal de escutas telefônicas, são muitas as acusações de arbitrariedade manchando uma operação que deveria ser a “nossa” Operação Mãos Limpas.

O juiz Moro não é Batman. Não podemos concordar com um juiz justiceiro. As investigações devem ser feitas nos termos da lei. Claro, doa a quem doer. Não podemos ser coniventes com quem rouba dinheiro público. Mas este processo de investigação - e isso eu acho que é claro (é?) para todos - deve ser feito dentro da lei.

De boas intenções estão cheias as casas e as almas da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Uma cidade tão limpinha e organizada, Curitiba tem orgulho de si mesma. Tem tanto orgulho de seus ônibus vermelhos que não consegue pensar num sistema mais eficaz como o Metrô, por exemplo. A expansão da cidade gerada nos tempos da Ditadura e de Jaime Lerner já não se sustenta.

Mas o curitibano que põe adesivo no carro dizendo que apoia a Lava-Jato (incondicionalmente, talvez!) não anda de ônibus. É fácil sentir orgulho de algo que você vê de longe, na canaleta. Não pega os ônibus superlotados no horário de pico, não enfrenta as filas dos terminais. É fácil dizer que “o sistema de transporte funciona”, por que você não sente a sua atual deficiência.
O curitibano que acha que mora na capital ecológica não pode usar (nem pra limpar as mãos!) as águas do rio Belém, do Atuba e do Barigui. Acha que o frio é chique, mas mora em casas ruins termicamente, e usa roupas de frio igualmente caras e ruins. E se acha na Europa, cercado de araucárias por todos os lados.

É fácil não ver seus próprios pecados. É fácil esperar que um outro (um justiceiro) faça o “trabalho” que eu como cidadão não posso fazer. É fácil bater no peito e dizer que o problema são os outros. Assim como é fácil dar um like no facebook e colocar um comentário raivoso de que você é a favor do Batman.

A república de Curitiba eu quero outra.